sábado, 12 de novembro de 2011

Breves reflexões sobre a conjuntura actual


I.

O período da hegemonia mundial das potências europeias, iniciado em 1500, entrou em colapso durante as chamadas “descolonizações”, desde o Médio Oriente até à África (1955-1975), para vir a ficar aparentemente concluído, em 1991, com a desagregação da URSS. Porém, dois anos depois, passando a vigorar o tratado de Maastricht, levantou-se a possibilidade da UE poder vir a ter capacidade para contrabalançar a hegemonia dos EUA. Os EUA tinham já deixado de reprimir os nacionalismos europeus e podemos estar agora a assistir ao estertor final do projecto de Maastricht.

Com o tratado de Maastricht, o “projecto Europeu” passou a estar sob o domínio do “directório franco-alemão”, mas é possível que a actual crise da Zona Euro, que não é apenas financeira e económica, venha a danificar seriamente a sua coesão. O que me parece hoje claro, é que a actual crise da Zona Euro levou o projecto de Maastricht para um abismo do qual só muito dificilmente sairá incólume.

Com o fim do projecto de Maastricht, uma nova era mundial pós-europeia pode vir a ter condições para despontar, mas estamos ainda em fase de transição muito indefinida e incerta: os EUA continuam a ser a mais poderosa potência mundial, mas sem ser omnipotente; a Rússia está a recuperar do colapso da URSS, mas continua em busca de um lugar correspondente ao seu poderio; a China tem vindo a emergir no seio de um sistema económico-financeiro e político internacional que não controla; o Brasil e a Índia estão também em emergência, mas permanecem algo indefinidos quanto à configuração de um novo equilíbrio global de poderes.

No espaço da Eurásia, e em particular na península a que chamam “Europa”, não é ainda claro o que vai resultar do colapso do projecto de Maastricht.

A criação da Zona Euro surgiu na sequência lógica de Maastricht, mas foi criada para mitigar os receios da França perante a reunificação alemã. A ideia era a de que a França poderia beneficiar da riqueza de uma Alemanha que não voltaria a estar em posição de ferir os interesses dos outros Estados europeus. A Alemanha reunificou-se e, não obstante a sua retórica em prol do “projecto Europeu”, começou a actuar como um verdadeiro Estado, não gostando que outros falem por si e menos ainda que obtenham vantagens à sua custa. A partir de 2008, ao começar a desenhar-se a crise das dívidas soberanas, a Alemanha começou por utilizar a sua superior posição económica e financeira para obter vantagens políticas no quadro institucional da UE (através do FEEF), com claros desígnios de intrusão nas soberanias residuais dos Estados da Zona Euro. Para os Estados periféricos, permanecer na Zona Euro passou a significar a aceitação de uma ditadura orçamental definida em Berlim, uma austeridade que conduz à sua asfixia económica e a posterior venda, a preço de saldo, de participações em empresas estratégicas. Nas últimas semanas, com o agudizar das crises na Grécia e na Itália, a intrusão e a chantagem subiram de conteúdo e de tom: os governos dos periféricos terão de ser de tecnocratas, em “união nacional”, sob pena de uma “Europa a duas velocidades”. Arcus nimis intensus rumpitur, diziam os latinos - o arco, se for muito retesado, pode vir a quebrar.

Entretanto, mesmo que o arco não quebre, a Alemanha tem estado em claro processo de acomodação com uma Rússia que, depois da guerra na Georgia, espreita oportunidades para a construção da “Casa Comum Europeia” anunciada por Gorbatchov na “Perestroika”. Qualquer que venha a ser o desfecho da presente crise da Zona Euro, é muito provável que o eixo do poder das potências Europeias se desloque para Leste: o eixo franco-germânico tenderá a perder terreno face ao eixo germano-russo.

A França, que queria prender a Alemanha através do Euro, está assim hoje numa encruzilhada e tem permanecido uma incógnita, mas pode vir a sair da esfera alemã e, apoiando-se no Grupo de Visegrado e na Espanha, voltar-se-á para o Mediterrâneo.

A Europa está a caminhar para novos equilíbrios, havendo dois outros Estados com capacidade para influenciar a sua balança de poderes: a Polónia e o Reino Unido. A Polónia tem um mercado interno suficiente para não se deixar submeter à esfera de influência alemã e vai decerto continuar a buscar aliados no Atlântico. O Reino Unido não vai deixar de querer manter-se como uma potência com aptidão para uma projecção global e vai decerto contar com a “Aliança do Norte”.

Na nova configuração de poderes em emergência na Europa, a situação de Portugal na península ibérica tenderá a tornar-se cada vez mais periclitante. A Espanha, muito fortalecida interna e geopoliticamente pelo restabelecimento da Instituição Real na chefia do Estado, vai continuar a ser uma potência com capacidade para se projectar simultaneamente no Mediterrâneo e no Atlântico: no Mediterrâneo, não deverá hostilizar a França; no Atlântico, tenderá a explorar cada vez mais as nossas fraquezas. Após a crise, creio que a Espanha se vai manter com capacidade para vir a integrar económica e politicamente Portugal e mesmo para vir a concorrer com o Brasil no espaço económico da lusofonia.

Em obediência ao projecto de Maastricht, os principais partidos da área da governação (PS e PSD), submetidos às respectivas internacionais partidárias, aceitaram que Portugal ficasse integrado na periferia mediterrânica da Europa, como satélite da Espanha, se bem que numa península ibérica ideal e integralmente submetida a Bruxelas.

Nas últimas décadas, a desatenção de sucessivos governos à sustentabilidade do Estado português, permitindo a destruição de parte substancial da nossa economia (agricultura e indústria) a par de um crescente endividamento externo, conduziram-nos a uma situação de extrema fragilidade. O Estado português está hoje, em obediência ao programa de governo da “troika”, no caminho do suicídio.

A política e a acção dos partidos da área da governação está a pôr em causa a sustentação do Estado português, mas a verdade é que a fronteira com a Espanha ainda é visível nos mapas e, mais importante, continua a haver uma clara maioria de portugueses favorável à nossa autonomia e liberdade.

Nesta conjuntura, creio que nos cumpre continuar a mobilizar os portugueses para a defesa da autonomia do Estado português, o que hoje significa, em termos práticos, pugnarmos pela saída de Portugal da Zona Euro e do buraco mediterrânico a que nos destinaram.

Os realistas portugueses têm que tomar consciência de que não haverá uma Restauração de Portugal sem que antes se realize a restauração da República. A restauração da República é condição prévia, e a base mais segura, a partir da qual os portugueses podem vir a recolocar a Instituição Real na chefia do Estado. Tal como escrevi em 1996 (in “Consciência Nacional”), por ocasião do baptismo do Príncipe Afonso de Santa Maria, “a virtude de uma República restaurada será a de esta ser capaz de se exprimir nos seus mais fundos anseios e aspirações, escolhendo dentre si os seus representantes e pondo à cabeça a sua instituição mais representativa — a Realeza. Só colmatando esse duplo défice de representação — na base e no topo — se poderá fazer a restauração de Portugal.”

O edifício do Portugal Restaurado ter-se-á que levantar começando pelos alicerces; a restauração da República é a nossa prioridade máxima. Se os portugueses não conseguirem restaurar a república, isto é, se o povo organizado não conseguir subtrair o controlo do Estado ao domínio absoluto das oligarquias partidárias, o Estado português pode vir a desaparecer na voragem dos acontecimentos, em submissão total a poderes estrangeiros.

Não excluo a hipótese de uma implosão dos partidos do regime, mas não podemos perder de vista  que, no essencial, os partidos políticos em Portugal têm sempre olhado primeiro para o seu próprio interesse e, só depois, muito depois, para o interesse dos portugueses. É o que a História destes dois últimos séculos nos ensina e que nos cumpre divulgar mais e melhor.


II

O processo de apropriação do Estado pelas oligarquias partidárias iniciou-se na década de 1820, acabando por vencer e consolidar-se após duas intervenções militares estrangeiras (guerras civis de 1831-34 e 1846-47). O primeiro saldo foi terrível: a perda do Brasil, milhares de mortos e a economia nacional destroçada.

Depois de 1851, na chamada “Regeneração”, as oligarquias dos partidos tinham já quase domínio absoluto sobre o Estado. A política dos “melhoramentos materiais” – durante o Fontismo - , quanto à substância e quanto aos efeitos, não foi muito diferente da política do Cavaquismo que marcou estas últimas décadas de integração europeia. Como é que as oligarquias políticas do período da “Regeneração” resolveram as crises financeiras da segunda metade do século XIX? Em verdade, não as resolveram, mas aproveitaram-nas para virem a desenvencilhar-se, em 1910, do último obstáculo ao seu domínio absoluto do Estado - a Instituição Real.

Seguiram-se os anos de “balbúrdia sanguinolenta” da 1ª República profetizados por Eça de Queirós, até que a “Grande Depressão” levou as oligarquias partidárias a fundirem-se num só partido e a institucionalizarem, na prática, uma Ditadura. O problema das finanças públicas ficou então resolvido, mas sem libertar a sociedade civil do espartilho do Estado.

O segundo pós-guerra ofereceu às oligarquias, reunidas sob a protecção de um autocrata, óptimas oportunidades para negócios e excelentes condições para o desenvolvimento da economia, mas persistiram atados a uma visão sem futuro, acabando por desbaratar séculos de vivência ultramarina na miragem de uma “Nação Una” de Minho a Timor. Cumpre-nos lembrar que, na década de 50, ao recusarem o restabelecimento da Instituição Real na Chefia do Estado, não só travaram o lançamento de uma Comunidade de Estados Lusófonos – ideia que, em 1959, D. Duarte Nuno de Bragança, apoiou expressamente - como colocaram os territórios ultramarinos sob administração portuguesa à mercê de antigos e insaciáveis apetites estrangeiros.

Após a derrota de Portugal na ONU, do golpe de Estado em Lisboa e do subsequente abandono do Ultramar, as oligarquias conseguiram firmar-se no retorno ao pluripartidarismo, agora em subserviente obediência às centrais político-ideológicas europeias. O resultado da sua acção governativa nas últimas décadas, ficou nestes últimos anos à vista de todos, provocando a indignação dos portugueses, que têm vindo a deixar de votar, ou a anular o voto, tanto nas eleições presidenciais como nas eleições parlamentares.


III

A crise de legitimidade do actual regime partidocrático é insofismável, atingindo hoje a consciência da maioria dos portugueses. Julgo que não podemos continuar agarrados à miragem de uma contrição dos partidos pecadores, exigindo-se-nos a reivindicação clara de um programa de restauração da República em bases populares.

Nos últimos anos, várias personalidades oriundas do próprio regime têm vindo a público pugnar por alterações no sistema de representação política, reclamando quer o estabelecimento de círculos uninominais quer o fim do monopólio da representação por intermédios dos partidos ideológicos.

Em abstracto, tendo apenas por base o princípio da aproximação entre eleitos e eleitores, a reivindicação dos círculos uninominais tem pertinência, mas não podemos perder de vista que uma representação exclusivamente baseada em círculos uninominais, acarretaria uma diminuição do pluralismo ideológico e, após dois séculos de tão forte centralismo estatal em regime oligárquico, poderia vir a propiciar a disseminação de caciquismos de base local ou regional.

Creio que nos devemos centrar na luta pelo fim do monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, colocando-a na obediência ao princípio da subordinação do sufrágio inorgânico ao sufrágio orgânico. Em concreto, entendo que se deve pugnar pela subordinação da representação dos partidos ideológicos (sufrágio inorgânico, universal, de preferência em círculo único) a uma representação proveniente dos municípios (sufrágio orgânico, local).

Na minha perspectiva, a República poderá vir a ser restaurada através de um sistema bicamaral de representação, com uma Câmara Baixa de partidos político-ideológicos e uma Câmara Alta de representação dos municípios. A Câmara Baixa deverá ser o órgão legislativo e a Câmara Alta o órgão referendário das leis gerais do Estado, dos programas de governo e dos orçamentos. Em palavras simples e directas, direi que se trata de forçar os partidos político-ideológicos a encontrarem soluções que respondam aos anseios e às necessidades do país real representado através dos seus Municípios. Impõe-se pôr fim a este ciclo de destruição nacional, no qual os políticos dos partidos se têm limitado a procurar seduzir a massa ignara dos que ainda votam.

Estando ainda muito disseminada a superstição do sufrágio, julgo que a escolha dos representantes dos Municípios para a Câmara Alta poderá vir a ser feita por uma eleição realizada entre os presidentes de Junta de Freguesia, mas haveria vantagem em disseminar a memória das nossas antigas práticas de democracia concelhia, em que os pelouros de administração eram sorteados entre os seus homens-bons. O ideal seria que a referida Câmara Alta viesse a ser constituída por presidentes de Junta de Freguesia sorteados nos respectivos Municípios. Os actuais presidentes de Junta de Freguesia, que correspondem afinal aos nossos antigos homens-bons dos Concelhos, poderiam também vir a fazer entre si o sorteio dos órgãos de administração municipal, distrital ou regional.

Em dois séculos de História, a exclusividade do sufrágio inorgânico e o monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, já deu bastas provas de que não é capaz de servir o bem comum dos portugueses.

IV

A exemplo do que tem vindo a acontecer na Grécia, a crise da Zona Euro pode também vir a provocar em Portugal graves problemas de ordem pública. Não é de excluir que, com o aprofundar da crise, venham a surgir tumultos, situações de desobediência civil e mesmo acções violentas concertadas, propiciadoras de situações insurrecionais.

Em tal ambiente, e sendo a  via referendária ou plebiscitária a que tem a maior e a mais expedita capacidade de resolução nas grandes questões do Estado, não é de excluir que as oligarquias políticas a venham a utilizar para uma entrega aberta ou dissimulada a centros de poder estrangeiros: os referendos são em regra ganhos por quem detém o poder no Estado e/ou nos meios de comunicação. Eis uma razão acrescida para insistir nas virtudes da democracia orgânica e da representação de base municipal: no caso de um súbito agravamento da crise nacional, temos hoje presidentes de Junta de Freguesia eleitos que podem vir a assumir uma ruptura com as oligarquias partidárias reunindo em Assembleia Nacional Constituinte.

Restaurada a República, isto é, libertada a República do monopólio da representação por intermédio de partidos, confio que a nação portuguesa, de novo senhora dos seus destinos, compreenderá  e reclamará a Instituição Real para a chefia do Estado, para assumir as supremas magistraturas da Justiça, Forças Armadas e Diplomacia.

Com a Instituição Real na Chefia do Estado, não só asseguraremos a nossa esplêndida fronteira com a Espanha como estaremos em condições de lançar em sólidas bases histórico-culturais uma fecunda Confederação de Estados Lusófonos.

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