Meu Caro Fernando,
A vida já dobou quase quarenta
anos depois que nos encontrámos, a primeira vez, ali na velha Rua das Chagas. A
clássica relação didáctica dos primeiros tempos foi bem depressa substituída
pela da amizade, uma amizade feita de comunidade de gostos e desgostos, de
interesses intelectuais, de crenças humanas e divinas. E vieram as descidas
comuns aos luminosos abismos da filosofia, o hábito de conversar sobre coisas
exigentes à beira de duas chávenas de café, mais tarde a aventura, a seriíssima
aventura política, a nossa CEM, em que as ideias monárquicas voltaram a
desafiar a força eleitoral ao fim de umas dezenas de anos de renúncia. A
experiência da Convergência Monárquica, que o 25 de Abril permitiu se tornasse
forma de vida partidária, levou-nos ao PPM, que nos marcou e nós também
marcámos e que foi uma boa escola de ilusões e desilusões.
Tanto tempo passado, e já
passados para lá do tempo tantos dos nossos companheiros, faz bem lembrar a
sementeira em que tomámos parte, o claro e persistente enunciado de princípios,
o gosto de servir a Pátria e o Rei, a constância no amor de Deus.
Recebo agora este convite para
prefaciar a sua primeira obra, esta fonte pura de memórias, esta visita ao
passado feita com carinho e alegria. Deste modo me faz participar num encontro
de família, amena conversa ao pé do lume, quando as frescas esperanças dos
netos desencadeiam caudais de outros tempos. E eu sinto-me bem nessa plateia
curiosa e comovida, ouvindo a fonte murmurar baixinho ou, mais densa,
rumorejar, impor-se. São histórias simples de família, ou lembranças mais
amplas da família portuguesa. Uma perfeita arte de contar entretece
harmoniosamente o que é do lar doméstico ou envolve tradições de um Povo. Seria
bom que muita gente lhe seguisse o exemplo, para não serem tão raros os
pequenos portugueses afeiçoados ao culto de imagens de outras realidades, de
sons perdidos num espaço sagrado, de bênçãos que ainda fazem parte do acto
criador.
O Fernando soube reavivar, com o
mesmo golpe de asa, o passado que foi seu e aquele que foi da sua estirpe ou da
gente das Beiras, na cavalgada dosséculos. Nenhuma lembrança envelhece, nenhum
tempo se esvazia, quando tocados por si.
Das velhas povoações de que fala,
conheci Sernancelhe e Penedono, quando tinha entre 14 e 16 anos, quer dizer
tinha o Fernando entre 9 e 11. Assim, a saborosa história do seu exame
distinto, esse conto de extrema simplicidade e de riquíssimo simbolismo,
passou-se a bem dizer ao pé de mim... A senhoril Sernancelhe fazia as minhas
delícias em dias estivais, graças à hospitalidade da família Ribeiro Saraiva
Donas-Botto. Fica-me a pena de não ter assistido, meu caro Amigo, a esse seu
primeirís-simo triunfo académico...
Desejo-lhe agora novos triunfos:
que este colorido e viçoso feixe de lembranças seja bem acolhido pelo que tem
de perfumado encanto, pelo que vale de ideias certas, de certezas fecundas. E
que outros livros da família deste venham a formar-se ao sopro espiritual da
sua fantasia e da sua verdade. Já alguma vez me fora dado saborear as suas
primícias poéticas, que saudei gostosamente no Almanaque da Festa Brava, onde o
Francisco de Morais Sarmento nos fazia encher semanalmente algumas páginas de
prosa e em que se arquivavam belas recordações suas, da Beira Alta ou de Lisboa
ou da África muito querida. Guardo, com uma outra forma de admiração e
simpatia, esse copioso e incomparável Livro do Mérito, que a sua vontade
generosa ergueu em honra de muitos portugueses fiéis. Espero, que, se não for
já eu, sejam muitos os leitores das obras __ ao menos essas __ que o Fernando
anuncia no interior desta. Olhe que fica a devê-las!
E vai um xi-coração do seu velho
companheiro e amigo muito seu
Setembro de 2000, Ano Jubilar de
Jesus Cristo
Henrique
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