terça-feira, 20 de setembro de 2011

Afonso Botelho - 04.02.1919 - 20.09.1996


DA RESTAURAÇÃO (extracto)

(Ultima intervenção política de Afonso Botelho)
No que diz respeito a este sentido do poder absoluto, também a República nos confundiu noutro equívoco, transformando em impulso emocional a divergência histórica entre miguelistas e liberais. Para tanto, amputou a essa dramática oposição nacional os principais valores que nela estiveram em jogo. Na realidade, a mais profunda causa do desencontro histórico não residia na absoluta ou limitada acção governativa do Rei, mas na manutenção ou rejeição de uma ampla ideia tradicional da origem do poder e da genuinidade dos costumes e privilégios dos povos.
Era esse afinal o absolutismo que o senhor Dom Miguel representava e que nasceu inseparável e unido ao Cristianismo ocidental na sua raiz autêntica, inspiradora da lei fundamental do Reino. Nesse sentido se elege ainda hoje a aspiração primeira do tradicionalista de restaurar o poder e, digamo-lo claramente, a obrigação prioritária do monárquico de restaurar o regime, que, em seu profundo convencimento, é o único apto a fazê-lo.
Tomo esta obrigação, meus ilustres e estimados Companheiros, não por uma abstracta dedução lógica, mas por uma razão existencial: tomo-a com a urgência das situações terminais, porque terminal me parece o ânimo dos portugueses em relação à própria necessidade do poder político, a cujos esgotamento e aviltado exercício assistem revoltados.
Não creio que seja indispensável invocar mais uma vez a conclusão daqueles politólogos americanos que denunciam precisamente como sinais do termo da forma democrática vigente, todos os gravíssimos problemas que a insanável oposição entre liberdade e igualdade criou.
Em Portugal, neste momento, já nem é a perversão do poder que nos provoca, mas a sua quase total inexistência. E a reacção a esta ausência cada dia se manifesta de uma forma mais clara e alarmante, posto que esse significado não nos seja perceptível como verdadeira realidade.
Efectivamente, a acção degenerescente prolifera em actos que ainda não possuem a força que desencadeia a revolução sangrenta, nem a concentração do golpe político, mas que denuncia a angústia ameaçadora da sociedade que, impedida de se representar num poder aprisionado pelo sistema, chama a si a sua força e as suas competências, se substitui a ele, ocupa-o, partilha-o à margem da lei. Existimos realmente na ordem e na estabilidade equívocas, que se processam entre uma partilha indefinida do poder e um Estado que, para subsistir, sobrepõe ao poder a omnipotência (na observação subtil de um comentador político).
Hoje, o nosso ponto de partida é necessariamente reflexivo de início, mas logo devém operativo, de tal modo se nos revela urgente restaurar o poder.
Como cidadãos ainda teremos de cumprir as leis da cidade, porém sob reserva, porque nem a cidade dos nossos dias é idêntica à polis grega, nem a lei vigente merece o sacrifício da vida de Sócrates. Mas, como monárquicos, não dispomos outra vez de clima social e político para protelar ou secundarizar a restauração da Monarquia.
Perante o que afirmamos ser, redescobrir e restaurar o poder genuíno é finalidade que não pode tranquilizar-se na normalidade democrática, nem ceder aos seus apelos emolientes.
Em relação à sua força de captura, tal como prisioneiro de guerra, o monárquico tem por dever prioritário recuperar a liberdade, que, para o seu código de honra, antes de ser de si próprio, o é dos destinos da Pátria.

7 de Outubro de 1995, no encontro anual da Liga Popular Monárquica, em Guimarães "Da Restauração", in Boletim da Liga Popular Monárquica, série F, nº 16, Outubro-Dezembro de 1995, pp. 9-11 e também in Consciência Nacional, nº 187, Janeiro-Outubro de 1995, pp. 1, 3. 
Reproduzido em http://www.angelfire.com/pq/unica/il_1995_afonso_botelho.htm a partir de Gonçalo Sampaio e Mello, "Afonso Botelho, Legitimista"...., pp. 249-253.

Sem comentários:

Enviar um comentário