domingo, 29 de janeiro de 2012

Alheamento e participação

       “…Para além destas aparências, o grave problema de Portugal continua a ser o do alheamento político efectivo de grande número de portugueses.
Assim, para a maioria dos franceses na Quarta República, o poder era o parlamento e os políticos, o poder, com os seus méritos e responsabilidades, eram «eles». Assim, para o francês de hoje, o poder é De Gaulle. É «ele».
E quando, para os cidadãos, o poder são «eles ou «ele», falta à verdadeira política o seu fundamento verdadeiro - a participação dos governados, efectiva e reconhecida como tal. Trate-se de democracia presidencialista ou parlamentar, de regime fascista ou socialista, o poder político tem de ser percebido como algo próprio, algo «nosso». Quando já se não diz naturalmente o «nosso Governo», mas o «Governo», cessou a participação e começou o alheamento.
Tocamos aqui numa das principais categorias políticas, à qual tornaremos um dia mais de espaço. Fique só bem clara a noção de que a um poder, mesmo em si legítimo, falta uma nota essencial se não tiver a participação, e só o alheamento dos governados.
...Para além dos possíveis obstáculos, importa participar na política portuguesa, na política de Portugal - por coerência com  nossa dignidade própria, por piedade para com os nossos irmãos, por fidelidade à Pátria de todos os portugueses.
Mas participar não será dividir? Participar, tomar parte, não será recusar o todo? A participação, acto por natureza individual, não dividirá o social e o político?
O alheamento, de facto, não divide - mas estiola. Atitude de homem-massa, o alheamento não distingue na razão, mas apaga no olvido.
A Política, regra do convívio humano de homens concretos, pode e deve suportar as claras antinomias da razão. A individualidade dos homens, longe de pôr a Política em perigo, é a razão última da sua existência. E os riscos da participação são afinal os mesmos riscos de todo o convívio autênticamente humano, os riscos de toda a política.
Fora dela só a anarquia e a tirania, Política verdadeira é, por natureza, a que vive porque integra as várias participações individuais, vivas e distintas.
Se tudo isto é verdade política, é verdade evidente para monárquicos.

Rivera Martins de Carvalho in Diário Político e outras páginas (pág. 160) - 1961

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