quarta-feira, 24 de agosto de 2011

AS REPÚBLICAS E A MONARQUIA - Henrique Barrilaro Ruas

Tal como os homens, também as nações precisam de viver habitualmente. Mas nem todo o hábito é virtude. Há-os que são vícios. E, quando o vício é colectivo, não há ninguém que não sofra com ele. Porque é da natureza do indivíduo participar do bem comum, e também do mal comum, da sociedade a que pertence. 


A República, em Portugal, começou por ser o contrário de um hábito. Actos isolados, casos soltos: nada mais. Eram quase todos da matéria de que se fazem os vícios. Mas, para serem vícios, faltava-lhes serem habituais. Nenhum vício é episódico. 


Mais tarde, por acção alheia, a República deixou de ser em episódios. Fez-se hábito. Por isso foi aplaudida. Aplaudiram-na os viciosos e os virtuosos. Os primeiros porque viam enfim estabelecido, assente, de algum modo indiscutível, o que antes não passara de tentativa fruste. Os últimos, porque estavam ainda dominados pela ideia (deixada por muitos séculos de Poder Real) de que habitual, em Política, é necessariamente virtuoso. 


Foi assim que começou o culto da continuidade. Esse culto tem tomado as formas mais aberrantes e mesquinhas. Nalguns casos, é apenas o culto do contínuo (uma das fontes mais caudalosas da Burocracia nacional). 


Mas eis que o tempo entrou a fartar-se da continuidade no mal. E já vai ensinando a indivíduos e grupos que não basta durar: é preciso durar bem. 


Por causa da República-sistema, é a autentica república dos Portugueses que perde o norte do Bem Comum. As competências, deslocadas da sua função natural, tornam-se incompetências. Os homens gastam-se em tarefas sem sentido. As instituições definham. O humano desejo de participar faz-se maldição. O que podia ser belo e fecundo rito de universalização do individual desce ao nível da farsa ou da paródia. As gerações que deviam dar à Pátria viço novo e uma inquietude transfiguradora, quase não trazem mais do que a dúvida e a negação. E muitos dos raros que deixam crescer na alma a sede de heroísmo, vão queimar-se em aventuras sem beleza. São estes os frutos da ideologia republicana. 


Porque, na crise aberta do mundo de hoje, na fermentação e gestação do mundo de amanhã, não está presente a integral e viva portugalidade, mas a rigidez de um esquema, uma convenção, uma fórmula jurídica. 


Toda a Nação Portuguesa fermenta e lateja, na promessa e na exigência de uma vida nova. A todo esse murmurar profundo e crescente, a República só oferece, ou a rigidez imutável, ou a própria mobilidade como ideal. 


É sobretudo para as novas gerações que a Monarquia há-de surgir identificada com a Esperança. Esperança de dignidade e justiça; esperança de paz. Esperança de uma vida que seja autêntico e fecundo conviver. Esperança de uma alegria nova, em que o corpo e a alma comunguem. Esperança de vitória do natural sobre o absurdo, do normal sobre o obrigatório. Esperança no abraço do Homem com a Terra, no acordo dos homens uns com os outros, na realização da Pessoa para além de todos os planos do colectivo.


(1963) 


Henrique Barrilaro Ruas (23 de Março de 1921 - 14 de Julho de 2003)


in http://jacarandas.blogspot.com/2004_07_01_archive.html

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