quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

AS REPÚBLICAS E A MONARQUIA

Por Henrique Barrilaro Ruas (23 de Março de 1921 - 14 de Julho de 2003)

Tal como os homens, também as nações precisam de viver habitualmente. Mas nem todo o hábito é virtude. Há-os que são vícios. E, quando o vício é colectivo, não há ninguém que não sofra com ele. Porque é da natureza do indivíduo participar do bem comum, e também do mal comum, da sociedade a que pertence.

A República, em Portugal, começou por ser o contrário de um hábito. Actos isolados, casos soltos: nada mais. Eram quase todos da matéria de que se fazem os vícios. Mas, para serem vícios, faltava-lhes serem habituais. Nenhum vício é episódico.

Mais tarde, por acção alheia, a República deixou de ser em episódios. Fez-se hábito. Por isso foi aplaudida. Aplaudiram-na os viciosos e os virtuosos. Os primeiros porque viam enfim estabelecido, assente, de algum modo indiscutível, o que antes não passara de tentativa fruste. Os últimos, porque estavam ainda dominados pela ideia (deixada por muitos séculos de Poder Real) de que habitual, em Política, é necessariamente virtuoso.

Foi assim que começou o culto da continuidade. Esse culto tem tomado as formas mais aberrantes e mesquinhas. Nalguns casos, é apenas o culto do contínuo (uma das fontes mais caudalosas da Burocracia nacional).

Mas eis que o tempo entrou a fartar-se da continuidade no mal. E já vai ensinando a indivíduos e grupos que não basta durar: é preciso durar bem.

Por causa da República-sistema, é a autentica república dos Portugueses que perde o norte do Bem Comum. As competências, deslocadas da sua função natural, tornam-se incompetências. Os homens gastam-se em tarefas sem sentido. As instituições definham. O humano desejo de participar faz-se maldição. O que podia ser belo e fecundo rito de universalização do individual desce ao nível da farsa ou da paródia. As gerações que deviam dar à Pátria viço novo e uma inquietude transfiguradora, quase não trazem mais do que a dúvida e a negação. E muitos dos raros que deixam crescer na alma a sede de heroísmo, vão queimar-se em aventuras sem beleza. São estes os frutos da ideologia republicana.

Porque, na crise aberta do mundo de hoje, na fermentação e gestação do mundo de amanhã, não está presente a integral e viva portugalidade, mas a rigidez de um esquema, uma convenção, uma fórmula jurídica.

Toda a Nação Portuguesa fermenta e lateja, na promessa e na exigência de uma vida nova. A todo esse murmurar profundo e crescente, a República só oferece, ou a rigidez imutável, ou a própria mobilidade como ideal.

É sobretudo para as novas gerações que a Monarquia há-de surgir identificada com a Esperança. Esperança de dignidade e justiça; esperança de paz. Esperança de uma vida que seja autêntico e fecundo conviver. Esperança de uma alegria nova, em que o corpo e a alma comunguem. Esperança de vitória do natural sobre o absurdo, do normal sobre o obrigatório. Esperança no abraço do Homem com a Terra, no acordo dos homens uns com os outros, na realização da Pessoa para além de todos os planos do colectivo.

(1963) 
in

domingo, 18 de dezembro de 2011

FORMATAÇÃO DE UM PAÍS - Teresa Maria Martins de Carvalho

Não sei se os portugueses mais urbanizados, confinados às suas grande metrópoles, distraídos pelos casos bombásticos (ou tornados bombásticos) que lhes apresentam as televisões, poderão dar atenção suficiente ao que de muito importante está acontecendo em Portugal.

Em primeiro lugar, sei muito bem que a palavra formatação é usada na linguagem informática para designar operações específicas mas a outra palavra que dispunha, “formação”, não quer dizer exactamente aquilo que eu quero referir. Formatação satisfaz-me muito mais.

Formatação, então, não a pele da existência real mas a orgânica interior. Formação é termo conectado com o verbo formar que indica, para além das cores ambientais, militares ou educativas, a inserção no tempo e no espaço de algo que se torna real, sólido, coisa, relacionamento. Se eu escrevesse “a formação de um país” vinham logo à memória D. Afonso Henriques que começou tudo, D. Afonso III que o acabou, D. Dinis que “semeou o pinhal de Leiria”, o Infante que ensinou o caminho para fora. Todos os que conduziram Portugal a ser país.

E volto a insistir, não formação mas formatação. Não a realidade da terra com vales e caminhos mas as relações dos seus habitantes. Não como começou a estar Portugal mas como se organizou interiormente, como as forças humanas nele existentes se unificaram em comunidades. Por mais importante que seja a influencia do sítio no criar da identidade nacional, é crucial a inter-reacção das pessoas que lhe determinaram o destino.

Vale a pena inquirir o que dizem os historiadores. Estou a lembrar-me de Gama Barros mas é melhor escolher o contemporâneo José Mattoso, especialista da formação e “identificação de um país”. É sua opinião que Portugal se formou a partir das fortíssimas comunidades municipais, numa entente entre o Rei, o povo e os barões. Acontece que este fenómeno foi típico das terras do Norte, onde a situação geográfica e histórica lhes forneceu mais centros de habitação, terras mais férteis, menos áridas, tradições seculares, mais cristianização. O mesmo não se dá nas terras do Sul, mais pobres, mais abertas, mais terras de fronteira, ermadas e pouco férteis, e onde os mouros se demoraram mais tempo.
...
A formatação do país que os historiadores baseiam, com orgulho patriótico, no poder local das vilas face ao poder real, afinal nem sempre foi assim. O Gavião é o exemplo de uma vila que nasce muito mais por decisão central do que pelo levantar de cabeça dos seus munícipes. Se, em Portugal, não houve feudalismo propriamente dito, pela pequena dimensão do território, pelo carácter português ter sido forjado entre o fervilhar autárquico e o poder do rei, outros poderes como as Ordens religiosas, nos aparecem como agregadores de populações.

Nos dias de hoje, o primeiro projecto governamental de regionalização, para “formatar” o país em regiões mais fortes, não passou no referendo. As autarquias queriam ter voz na matéria e outros portugueses tinham medo de um desfazer do país com dimensão suficiente para a cobiça espanhola e a inércia portuguesa. Mas o governo não ficou reduzido à inacção nem se encolheu a vontade de transformar, acomodar, domesticar este país de poetas. Com astúcia, aproveitando-se de os municípios se estarem entendendo entre vizinhos, motu próprio, altamente denominou Áreas Metropolitanas tudo o que se estabelecia de comum nos concelhos à volta de Lisboa e Porto, concelhos já desruralizados e fortemente (e horrivelmente) urbanizados, cuja vocação para “serem” também das grandes cidades mais próximas lhes facultava e favorecia melhores vias de comunicação e melhores serviços comuns.

Aos que não podiam acolher-se sob esta denominação foi-lhes dado o nome de Comunidades Urbanas ou então, se mostravam ainda sinais de algum ruralismo remanescente, Comunidades Inter-Municipais. De toda a maneira, embora pareça ter vindo de baixo, como toda a gente pedia, a partir dos municípios, a regionalização vai-se fazendo, sob a tutela do Estado, claro!

Mas vejam só o que se passa, nesta grande mexida administrativa, ante os nossos olhos espantados! Fora as Áreas Metropolitanas já definidas, quase naturalmente, assistimos às discussões dos municípios entre si e sobre si, com tanta força e empenho como ninguém estava à espera, sobretudo o governo! Eles é que sabem como se há-de processar a reorganização dos concelhos, afim de se criarem regiões tecnicamente viáveis para o desenvolvimento e a angariação de fundos comunitários ou outros.

O triângulo Torres Novas, Tomas, Abrantes que antes tinha teimado na construção de três hospitais separados, o que veio triplicar as exigências de pessoal sanitário que rareia, aprendeu a lição e agora integrado, juntamente com, a sul, o Entroncamento e Constância e, a norte, com o Sardoal e Mação, na Comunidade Urbana do Médio Tejo, não faz exigências bairristas. Discutem onde ficará a Presidência... Tomar acha-se com esse direito e o Entroncamento sente-se diminuído na sua vocação ferroviária, afogada em tanto pinhal. Continuam discutindo.

Vemos, com pasmo, levantar-se Alcobaça contra a sua inserção na Área Metropolitana de Leiria. A sua vocação é a zona do Oeste de que não se quer separar... E no meio fica a Nazaré, desorientada, sem saber decidir-se se fica sozinha. É PS. Os outros concelhos PSD. Sente-se incomodada. Que mal fizeram às autonomias esta obrigação de pertencerem a partidos... Seria mais fácil este jogo se não fosse partidário... Mais difícil entenderem-se... Mas isto é outra história.

No entretanto, como é curioso observar o que se passa. Um país habituado a estar calado durante quarenta anos de Salazarquia quando os presidentes de Câmara eram nomeados pelo Governo, e depois da euforia revolucionária, ficar calado sob o peso das forças partidárias, despertar de repente a exigir posições. Vejam só as discussões na Associação dos Municípios do Algarve. Há quem queira que todo o Algarve seja uma Ártea Metropolitana (o que ele já é, menos a Serra...) mas, como isso, nas eleições regionais daria mais peso a um partido do que a outro, as discussões não acabam. – “Isto não tem nada a ver com partidos!” Alguém grita. “Tem que ver com o poder local”. Ora oiçam! Conseguirão? Existe já a Comunidade dos Municípios do Vale do Ave. Vai nascer a do Tâmega...

A rica região do Douro, com os seus pergaminhos de Património Mundial, não quer mais “fazer casamento” com Trás-os-Montes. Quando o Primeiro-Ministro, de visita à região, alvitrou publicamente que seria mais conveniente e sensato que estas duas regiões se unissem, visto que têm interesses comuns, foi um alvoroço, com o Presidente da Câmara de Vila Real a exclamar, zangadíssimo: - “Ele que não se meta, a vir para aqui a dar sugestões! Não tem nada a ver com isto!” e acrescentou: “capital em Bragança? Nunca!” Ora toma!

É divertido e até comovente assistir a estas discussões, assim, à primeira vista, disparatadas e inúteis. Os espíritos tecnocráticos estarão perturbados, assistindo à cena, morosa e inútil, do país disputando-se aos bocadinhos. Mas é isso, a política!

A grande filósofa Hannah Arendt que tanto se debruçou sobre o fenómenos político e que eu gosto tanto de citar, não deixa de insistir no “animal político” tal como Aristóteles definiu o ser racional humano, defendendo que se sobrepõe, em importância, ao homo faber. O falar, o discutir, o entendimento (ou provavelmente o desentendimento...) dos homens entre si, sobre assuntos que a todos interessam no desenrolar das suas vidas quotidianas, que querem viver em comum, é, segundo Arendt, a mais dignificante das acções humanas. Mesmo que não se venha a ganhar ou ver a nossa opinião prevalecer, já foi “fazer política” a discussão, a dissenção, a troca de ideias, a participação na liberdade, não sendo imprescindível o consenso...

Daqui a necessidade da ágora, do forum, da praça pública, das portas da cidade, onde os nossos antepassados disputavam ideias e sentiam-se intervenientes nos negócios públicos, sem terem de recorrer a pindéricas e tristes manifestações diante do Palácio de S. Bento.

Em Portugal, esse espaço próprio e útil, nascia nas comunidades municipais, antigas e menos antigas, com a sua autarcia resolvida e que definia o lugar representativo dos seus habitantes quando se apresentavam, como tal, nas Cortes, diante de todas as outras forças do país.

Aquilo que se passa hoje, em Portugal, é um ressurgir efectivo (ou talvez uma sombra, velhas memórias...) de um tomar em mãos o que a essas mãos pertence.

Pode ser que tudo acabe em soluções económicas e técnicas, muito rígidas à moda de Bruxelas, calando-se a gente de novo. Até porque o tempo é escasso para tanta discussão, tanta demora na execução deste novo ajustar do espaço. Vêm aí as eleições!

É preciso dar atenção ao que está a acontecer. 

Teresa Maria Martins de Carvalho, Março de 2004

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Mensagem de S.A.R. O Duque de Bragança no 1º de Dezembro 2011

...
"Torna-se urgente proceder, através de um amplo debate nacional, a uma rigorosa e descomplexada análise dos modelos económico e político que estiveram na origem do depauperamento do Estado.

Cada vez é mais notório que os portugueses não se revêem no modelo de representatividade política em vigor.
Será que o Povo se identifica com os seus formais representantes?

Será que a nossa Democracia deverá ficar confinada a um modelo que já demonstrou não ser suficiente e eficaz?

Porque não considerar outras formas de representação popular complementares, através de outro tipo de representantes mais directamente relacionadas com a população, por exemplo, oriundos dos Municípios, modelo este com raízes profundas nas tradições históricas e culturais de Portugal?"


Mensagem completa de S.A.R. aqui

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O último feriado da Restauração

Amanhã pode ser a última vez que temos um feriado para comemorar a Resturação da Independência Nacional em 1640. Confesso que de todas as que se tem falado para serem abolidos, esta é a data que me custa mais ver esquecida. Por outro lado, percebe-se que uma geração de políticos que se submete diariamente a ordens vindas do estrangeiro, é normal que não sinta vontade de comemorar um dia em que os conjurados invadiram o Terreiro do Paço, e mandaram pela janela um traidor que governava Portugal com ordens vindas de Espanha...
É melhor mesmo esquecer, não vão os portugueses voltar a unir-se para correr com os traidores.

sábado, 19 de novembro de 2011

União


Que somos bastantes, já sabemos.
Que somos diferentes, já sabemos até bem demais.
Parece faltar a aceitação mútua da diferença.
Para além das diferenças ideológicas entre os que são partidários, situação já quase pacífica, falta ainda compreender que há várias formas de entender a Monarquia.
Discutir com elevação, sem rotulagens nem preconceitos, argumentar sem insinuações torpes, ajudava a demonstrar o nível de educação de quem pugna pela Monarquia em qualquer das suas formas.
Todos são importantes para a causa. Não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar ninguém.
Temos de aprender a dialogar em vez de debitar monólogos. Conseguir trabalhar juntos nas comunidades. Intervir na vida dessas comunidades e no país.
Quer seja dinamizando as Reais com listas conjuntas de várias sensibilidades, quer propondo alterações aos estatutos, quer por outros meios.
As Reais Associações têm de ser criadas por vontade própria dos associados. Em liberdade.
Parecem existir muitas críticas sobre o que se tem passado até aqui. Então, há que reflectir e pensar no que correu mal e porquê. Adequar mais as Reais à realidade, tornando-as mais independentes e interventivas.
Temos exemplos de várias Reais Associações que, pelo menos a nível bloguístico, têm prestado um inestimável serviço à causa.
Mas sabemos também que os próprios monárquicos têm culpa. Falam muito, criticam mais e quando se pede colaboração efectiva, fazem pouco. É muito importante a divulgação no espaço virtual, mas mais ainda era preciso colaboração no espaço real da sua própria comunidade.
Há-de haver uma solução para possamos lutar juntos naquilo que importa. A restauração.
Viva o Rei!

sábado, 12 de novembro de 2011

Breves reflexões sobre a conjuntura actual


I.

O período da hegemonia mundial das potências europeias, iniciado em 1500, entrou em colapso durante as chamadas “descolonizações”, desde o Médio Oriente até à África (1955-1975), para vir a ficar aparentemente concluído, em 1991, com a desagregação da URSS. Porém, dois anos depois, passando a vigorar o tratado de Maastricht, levantou-se a possibilidade da UE poder vir a ter capacidade para contrabalançar a hegemonia dos EUA. Os EUA tinham já deixado de reprimir os nacionalismos europeus e podemos estar agora a assistir ao estertor final do projecto de Maastricht.

Com o tratado de Maastricht, o “projecto Europeu” passou a estar sob o domínio do “directório franco-alemão”, mas é possível que a actual crise da Zona Euro, que não é apenas financeira e económica, venha a danificar seriamente a sua coesão. O que me parece hoje claro, é que a actual crise da Zona Euro levou o projecto de Maastricht para um abismo do qual só muito dificilmente sairá incólume.

Com o fim do projecto de Maastricht, uma nova era mundial pós-europeia pode vir a ter condições para despontar, mas estamos ainda em fase de transição muito indefinida e incerta: os EUA continuam a ser a mais poderosa potência mundial, mas sem ser omnipotente; a Rússia está a recuperar do colapso da URSS, mas continua em busca de um lugar correspondente ao seu poderio; a China tem vindo a emergir no seio de um sistema económico-financeiro e político internacional que não controla; o Brasil e a Índia estão também em emergência, mas permanecem algo indefinidos quanto à configuração de um novo equilíbrio global de poderes.

No espaço da Eurásia, e em particular na península a que chamam “Europa”, não é ainda claro o que vai resultar do colapso do projecto de Maastricht.

A criação da Zona Euro surgiu na sequência lógica de Maastricht, mas foi criada para mitigar os receios da França perante a reunificação alemã. A ideia era a de que a França poderia beneficiar da riqueza de uma Alemanha que não voltaria a estar em posição de ferir os interesses dos outros Estados europeus. A Alemanha reunificou-se e, não obstante a sua retórica em prol do “projecto Europeu”, começou a actuar como um verdadeiro Estado, não gostando que outros falem por si e menos ainda que obtenham vantagens à sua custa. A partir de 2008, ao começar a desenhar-se a crise das dívidas soberanas, a Alemanha começou por utilizar a sua superior posição económica e financeira para obter vantagens políticas no quadro institucional da UE (através do FEEF), com claros desígnios de intrusão nas soberanias residuais dos Estados da Zona Euro. Para os Estados periféricos, permanecer na Zona Euro passou a significar a aceitação de uma ditadura orçamental definida em Berlim, uma austeridade que conduz à sua asfixia económica e a posterior venda, a preço de saldo, de participações em empresas estratégicas. Nas últimas semanas, com o agudizar das crises na Grécia e na Itália, a intrusão e a chantagem subiram de conteúdo e de tom: os governos dos periféricos terão de ser de tecnocratas, em “união nacional”, sob pena de uma “Europa a duas velocidades”. Arcus nimis intensus rumpitur, diziam os latinos - o arco, se for muito retesado, pode vir a quebrar.

Entretanto, mesmo que o arco não quebre, a Alemanha tem estado em claro processo de acomodação com uma Rússia que, depois da guerra na Georgia, espreita oportunidades para a construção da “Casa Comum Europeia” anunciada por Gorbatchov na “Perestroika”. Qualquer que venha a ser o desfecho da presente crise da Zona Euro, é muito provável que o eixo do poder das potências Europeias se desloque para Leste: o eixo franco-germânico tenderá a perder terreno face ao eixo germano-russo.

A França, que queria prender a Alemanha através do Euro, está assim hoje numa encruzilhada e tem permanecido uma incógnita, mas pode vir a sair da esfera alemã e, apoiando-se no Grupo de Visegrado e na Espanha, voltar-se-á para o Mediterrâneo.

A Europa está a caminhar para novos equilíbrios, havendo dois outros Estados com capacidade para influenciar a sua balança de poderes: a Polónia e o Reino Unido. A Polónia tem um mercado interno suficiente para não se deixar submeter à esfera de influência alemã e vai decerto continuar a buscar aliados no Atlântico. O Reino Unido não vai deixar de querer manter-se como uma potência com aptidão para uma projecção global e vai decerto contar com a “Aliança do Norte”.

Na nova configuração de poderes em emergência na Europa, a situação de Portugal na península ibérica tenderá a tornar-se cada vez mais periclitante. A Espanha, muito fortalecida interna e geopoliticamente pelo restabelecimento da Instituição Real na chefia do Estado, vai continuar a ser uma potência com capacidade para se projectar simultaneamente no Mediterrâneo e no Atlântico: no Mediterrâneo, não deverá hostilizar a França; no Atlântico, tenderá a explorar cada vez mais as nossas fraquezas. Após a crise, creio que a Espanha se vai manter com capacidade para vir a integrar económica e politicamente Portugal e mesmo para vir a concorrer com o Brasil no espaço económico da lusofonia.

Em obediência ao projecto de Maastricht, os principais partidos da área da governação (PS e PSD), submetidos às respectivas internacionais partidárias, aceitaram que Portugal ficasse integrado na periferia mediterrânica da Europa, como satélite da Espanha, se bem que numa península ibérica ideal e integralmente submetida a Bruxelas.

Nas últimas décadas, a desatenção de sucessivos governos à sustentabilidade do Estado português, permitindo a destruição de parte substancial da nossa economia (agricultura e indústria) a par de um crescente endividamento externo, conduziram-nos a uma situação de extrema fragilidade. O Estado português está hoje, em obediência ao programa de governo da “troika”, no caminho do suicídio.

A política e a acção dos partidos da área da governação está a pôr em causa a sustentação do Estado português, mas a verdade é que a fronteira com a Espanha ainda é visível nos mapas e, mais importante, continua a haver uma clara maioria de portugueses favorável à nossa autonomia e liberdade.

Nesta conjuntura, creio que nos cumpre continuar a mobilizar os portugueses para a defesa da autonomia do Estado português, o que hoje significa, em termos práticos, pugnarmos pela saída de Portugal da Zona Euro e do buraco mediterrânico a que nos destinaram.

Os realistas portugueses têm que tomar consciência de que não haverá uma Restauração de Portugal sem que antes se realize a restauração da República. A restauração da República é condição prévia, e a base mais segura, a partir da qual os portugueses podem vir a recolocar a Instituição Real na chefia do Estado. Tal como escrevi em 1996 (in “Consciência Nacional”), por ocasião do baptismo do Príncipe Afonso de Santa Maria, “a virtude de uma República restaurada será a de esta ser capaz de se exprimir nos seus mais fundos anseios e aspirações, escolhendo dentre si os seus representantes e pondo à cabeça a sua instituição mais representativa — a Realeza. Só colmatando esse duplo défice de representação — na base e no topo — se poderá fazer a restauração de Portugal.”

O edifício do Portugal Restaurado ter-se-á que levantar começando pelos alicerces; a restauração da República é a nossa prioridade máxima. Se os portugueses não conseguirem restaurar a república, isto é, se o povo organizado não conseguir subtrair o controlo do Estado ao domínio absoluto das oligarquias partidárias, o Estado português pode vir a desaparecer na voragem dos acontecimentos, em submissão total a poderes estrangeiros.

Não excluo a hipótese de uma implosão dos partidos do regime, mas não podemos perder de vista  que, no essencial, os partidos políticos em Portugal têm sempre olhado primeiro para o seu próprio interesse e, só depois, muito depois, para o interesse dos portugueses. É o que a História destes dois últimos séculos nos ensina e que nos cumpre divulgar mais e melhor.


II

O processo de apropriação do Estado pelas oligarquias partidárias iniciou-se na década de 1820, acabando por vencer e consolidar-se após duas intervenções militares estrangeiras (guerras civis de 1831-34 e 1846-47). O primeiro saldo foi terrível: a perda do Brasil, milhares de mortos e a economia nacional destroçada.

Depois de 1851, na chamada “Regeneração”, as oligarquias dos partidos tinham já quase domínio absoluto sobre o Estado. A política dos “melhoramentos materiais” – durante o Fontismo - , quanto à substância e quanto aos efeitos, não foi muito diferente da política do Cavaquismo que marcou estas últimas décadas de integração europeia. Como é que as oligarquias políticas do período da “Regeneração” resolveram as crises financeiras da segunda metade do século XIX? Em verdade, não as resolveram, mas aproveitaram-nas para virem a desenvencilhar-se, em 1910, do último obstáculo ao seu domínio absoluto do Estado - a Instituição Real.

Seguiram-se os anos de “balbúrdia sanguinolenta” da 1ª República profetizados por Eça de Queirós, até que a “Grande Depressão” levou as oligarquias partidárias a fundirem-se num só partido e a institucionalizarem, na prática, uma Ditadura. O problema das finanças públicas ficou então resolvido, mas sem libertar a sociedade civil do espartilho do Estado.

O segundo pós-guerra ofereceu às oligarquias, reunidas sob a protecção de um autocrata, óptimas oportunidades para negócios e excelentes condições para o desenvolvimento da economia, mas persistiram atados a uma visão sem futuro, acabando por desbaratar séculos de vivência ultramarina na miragem de uma “Nação Una” de Minho a Timor. Cumpre-nos lembrar que, na década de 50, ao recusarem o restabelecimento da Instituição Real na Chefia do Estado, não só travaram o lançamento de uma Comunidade de Estados Lusófonos – ideia que, em 1959, D. Duarte Nuno de Bragança, apoiou expressamente - como colocaram os territórios ultramarinos sob administração portuguesa à mercê de antigos e insaciáveis apetites estrangeiros.

Após a derrota de Portugal na ONU, do golpe de Estado em Lisboa e do subsequente abandono do Ultramar, as oligarquias conseguiram firmar-se no retorno ao pluripartidarismo, agora em subserviente obediência às centrais político-ideológicas europeias. O resultado da sua acção governativa nas últimas décadas, ficou nestes últimos anos à vista de todos, provocando a indignação dos portugueses, que têm vindo a deixar de votar, ou a anular o voto, tanto nas eleições presidenciais como nas eleições parlamentares.


III

A crise de legitimidade do actual regime partidocrático é insofismável, atingindo hoje a consciência da maioria dos portugueses. Julgo que não podemos continuar agarrados à miragem de uma contrição dos partidos pecadores, exigindo-se-nos a reivindicação clara de um programa de restauração da República em bases populares.

Nos últimos anos, várias personalidades oriundas do próprio regime têm vindo a público pugnar por alterações no sistema de representação política, reclamando quer o estabelecimento de círculos uninominais quer o fim do monopólio da representação por intermédios dos partidos ideológicos.

Em abstracto, tendo apenas por base o princípio da aproximação entre eleitos e eleitores, a reivindicação dos círculos uninominais tem pertinência, mas não podemos perder de vista que uma representação exclusivamente baseada em círculos uninominais, acarretaria uma diminuição do pluralismo ideológico e, após dois séculos de tão forte centralismo estatal em regime oligárquico, poderia vir a propiciar a disseminação de caciquismos de base local ou regional.

Creio que nos devemos centrar na luta pelo fim do monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, colocando-a na obediência ao princípio da subordinação do sufrágio inorgânico ao sufrágio orgânico. Em concreto, entendo que se deve pugnar pela subordinação da representação dos partidos ideológicos (sufrágio inorgânico, universal, de preferência em círculo único) a uma representação proveniente dos municípios (sufrágio orgânico, local).

Na minha perspectiva, a República poderá vir a ser restaurada através de um sistema bicamaral de representação, com uma Câmara Baixa de partidos político-ideológicos e uma Câmara Alta de representação dos municípios. A Câmara Baixa deverá ser o órgão legislativo e a Câmara Alta o órgão referendário das leis gerais do Estado, dos programas de governo e dos orçamentos. Em palavras simples e directas, direi que se trata de forçar os partidos político-ideológicos a encontrarem soluções que respondam aos anseios e às necessidades do país real representado através dos seus Municípios. Impõe-se pôr fim a este ciclo de destruição nacional, no qual os políticos dos partidos se têm limitado a procurar seduzir a massa ignara dos que ainda votam.

Estando ainda muito disseminada a superstição do sufrágio, julgo que a escolha dos representantes dos Municípios para a Câmara Alta poderá vir a ser feita por uma eleição realizada entre os presidentes de Junta de Freguesia, mas haveria vantagem em disseminar a memória das nossas antigas práticas de democracia concelhia, em que os pelouros de administração eram sorteados entre os seus homens-bons. O ideal seria que a referida Câmara Alta viesse a ser constituída por presidentes de Junta de Freguesia sorteados nos respectivos Municípios. Os actuais presidentes de Junta de Freguesia, que correspondem afinal aos nossos antigos homens-bons dos Concelhos, poderiam também vir a fazer entre si o sorteio dos órgãos de administração municipal, distrital ou regional.

Em dois séculos de História, a exclusividade do sufrágio inorgânico e o monopólio da representação por intermédio de partidos ideológicos, já deu bastas provas de que não é capaz de servir o bem comum dos portugueses.

IV

A exemplo do que tem vindo a acontecer na Grécia, a crise da Zona Euro pode também vir a provocar em Portugal graves problemas de ordem pública. Não é de excluir que, com o aprofundar da crise, venham a surgir tumultos, situações de desobediência civil e mesmo acções violentas concertadas, propiciadoras de situações insurrecionais.

Em tal ambiente, e sendo a  via referendária ou plebiscitária a que tem a maior e a mais expedita capacidade de resolução nas grandes questões do Estado, não é de excluir que as oligarquias políticas a venham a utilizar para uma entrega aberta ou dissimulada a centros de poder estrangeiros: os referendos são em regra ganhos por quem detém o poder no Estado e/ou nos meios de comunicação. Eis uma razão acrescida para insistir nas virtudes da democracia orgânica e da representação de base municipal: no caso de um súbito agravamento da crise nacional, temos hoje presidentes de Junta de Freguesia eleitos que podem vir a assumir uma ruptura com as oligarquias partidárias reunindo em Assembleia Nacional Constituinte.

Restaurada a República, isto é, libertada a República do monopólio da representação por intermédio de partidos, confio que a nação portuguesa, de novo senhora dos seus destinos, compreenderá  e reclamará a Instituição Real para a chefia do Estado, para assumir as supremas magistraturas da Justiça, Forças Armadas e Diplomacia.

Com a Instituição Real na Chefia do Estado, não só asseguraremos a nossa esplêndida fronteira com a Espanha como estaremos em condições de lançar em sólidas bases histórico-culturais uma fecunda Confederação de Estados Lusófonos.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O combate à Demo Cracia


Vivemos tempos difíceis, não é novidade para ninguém, mas talvez seja novidade para muitos dos actuais portugueses, sobretudo os mais jovens, a percepção de que o poder parece estar a afastar-se do povo. Aquilo a que nos habituámos a chamar de democracia, ou melhor, de “sistema democrático”, parece hoje algo de opaco, restringido a eleições sazonais onde através de um voto, eleitores são chamados a escolher partidos, que constituem listas com cidadãos para ocuparem cargos do poder. A realidade mostra que cada vez menos cidadãos vão votar, e cada vez mais os eleitos se esquecem de cumprir os programas propostos, pelos partidos pelos quais se fizeram eleger. Tudo isto provoca um descrédito generalizado do tal “sistema democrático” e da representatividade que tem como interlocutores únicos os partidos políticos.
Ajudando a descredibilizar a democracia, surge o poder económico. Um poder que transforma mercados em deuses que determinam a vida das pessoas como marionetas. Um poder que transforma as escolhas democráticas numa espécie de folclore inócuo. Às vezes mesmo inoportunas ou incomodativas para os interesses da economia....
Felizmente que a Igreja parece ter acordado para a sua missão de defesa das pessoas (sobretudo dos mais desprotegidos), da sua liberdade de decisão, da dignidade sua vida. A última nota dos bispos portugueses sobre a chamada “crise” deve merecer uma reflexão. Se um povo carregado de história, não tem um Rei a que apelar quando se sente oprimido e violentado na sua dignidade, é preciso que o clero saiba cumprir o seu papel fundamental na defesa da liberdade e da democracia, da verdadeira democracia.

domingo, 16 de outubro de 2011

João Camossa (III) - 15/12/1925-16/10/2007

VOTO N.º 117/X DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ADVOGADO JOÃO CAMOSSA, FUNDADOR DO PARTIDO POPULAR MONÁRQUICO (PPM)
Legislatura: X Sessão Legislativa: 3

Assunto: Voto de Pesar pelo falecimento do advogado João Camossa, fundador do Partido Popular Monárquico (PPM)
Tipo de Voto: Voto de pesar   [DAR II série B Nº.10/X/3 2007.10.20 (pág. 3)]
Debate
Aprovado por unanimidade.
 [DAR I série Nº.11/X/3 2007.10.19 (pág. 36)]
A Favor: PS, PSD, CDS-PP, PCP, BE, PEV

A morte do Dr. João Camossa constituiu uma grande perda para todos nós. Homem de um só parecer e de uma só fé, lutou e sempre pugnou pelos ideais da justiça social e pela democracia.
Monárquico convicto, revolucionário e activista no movimento anarco-sindicalista que se opôs veementemente ao Estado Novo, foi, por múltiplas vezes, vítima das sevícias e prisões da polícia política, que o colocaram na frente dos diversos movimentos que se opunham então ao sistema salazarista, nomeadamente quando integrou o «Movimento de Beja», de cujos elementos foi advogado, tendo passado rapidamente, durante a audiência, de defensor a preso, por ordem do juiz.
Personalidade complexa com tendências anarquizantes que ele próprio paradoxalmente ia desenvolvendo no regime salazarista, foi-se deixando empurrar para o isolamento, não se conseguindo estruturar para um grupo actuante.
Todavia, foi co-fundador da «Convergência Monárquica» que reunia diversos movimentos políticos de inspiração monárquica, em oposição frontal à tradicional e conservadora «Causa Monárquica».
Em 1974 Camossa funda o Partido Popular Monárquico, ao lado de Barrilaro Ruas, Rolão Preto e Ribeiro Telles.
Foi Deputado na Assembleia Municipal de Lisboa, durante o período da Aliança Democrática.
Combateu sempre pelos ideais em que acreditava, em nome da liberdade, conquistando o respeito e simpatia de todos os que com ele privaram.
Ao longo da vida João Camossa colaborou por diversas vezes em jornais e revistas sobre temas políticos, históricos e culturais.
A Assembleia da República expressa à família e ao Partido Popular Monárquico sentidas condolências.

Lisboa, 18 de Outubro de 2007.
Os Deputados do PSD: Agostinho Branquinho — Miguel Almeida — Mendes Bota — Pedro Quartim Graça — Hugo Velosa — Joaquim Ponte — António Montalvão Machado — Henrique Freitas — Fernando Santos Pereira — Pedro Pinto — Rui Gomes da Silva — Fernando Negrão — José Raúl dos Santos — Duarte Pacheco — Jorge Costa — Pedro Santana Lopes — Ricardo Martins. 

João Camossa (II) - 15/12/1925-16/10/2007

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Testemunhos
“…este verdadeiro erudito doutor com uma impressionante história e currículo de activismo político, sempre foi presença incómoda.…”
“…Radical, denominava-se de monárquico anarco-comunalista…”
“…Aquele homem de tudo sabia e de muito falava. Biografias inteiras, histórias picarescas de grandes vultos, filosofia e surpreendentemente, um espantoso conhecimento territorial do país que calcorreava a pé, por montes, vales cidades e vilas. Por vezes, tornava-se incompreensível e o seu grandioso argumentativo – a dialéctica de outros -, era susceptível de desesperar os mais pacientes…”
“…Num dia de Cimeira da AD marcada para a sede do extinto PPM – o que hoje existe é uma indigna caricatura do original -, ao deparar com a chegada do 1º ministro Balsemão e do ministro Freitas do Amaral, virou-se para os jovens e na sua inconfundível voz de trocista inveterado, sentenciou:
“Meus senhores, chegaram os caixeiros-viajantes. Podemos começar!”…”
Nuno Castelo-Branco in http://aventar.eu/2010/01/22/homenagem-a-joao-camossa/

“...Era um homem difícil de compreender, dada a sua resposta pronta e a fama de polemista que todos contradizia pelo prazer de manter viva a conversa. Deliciava-se em provocar os mais jovens, acicatando-os para um combate de selva que servia como treino para outras e mais persistentes lutas futuras, contra adversários mais irredutíveis, porque bem instalados. Queria sempre mais respostas, novos desafios e outros temas que nos mantivessem junto dele. Apresentava uma certa ideia do mundo, onde Portugal era a peça central, inamovível numa grandeza histórica bem possível de reconquistar para a normalidade dos dias em que se sucedem as gerações. Fez-nos acreditar na possibilidade do improvável e hoje, esteja onde estiver, deve saborear aquele valeu a pena!, que há uns vinte e cinco anos nos garantia como infalível meta…”


Nuno Castelo-Branco in http://estadosentido.blogs.sapo.pt/1040623.html

“…"Quando chega D. Sebastião?", perguntava um brincalhão ao telefone, pouco depois do 25 de Abril de 1974. "Daqui fala o próprio", retorquia, da sede do Partido Popular Monárquico, João Camossa. Nessa época - antes das primeiras eleições -, lia-se nas paredes: "Queremos o Camossa na Assembleia."…”

“…Os seus argumentos, simplicidade e emoção oratória não deixavam ninguém indiferente. Era um homem de histórias que adorava as tertúlias e a conversa inteligente. …”


“…Ninguém como ele sabia tanto da “pequena história” de Portugal! E quantas vezes saíam recortes de notícias, esboços de mapas, papéis rabiscados com notas das algibeiras do seu casaco, sempre recheadas de mistérios...”

“…O João foi um dos homens mais inteligentes que conheci. Dos mais cultos. Dos mais sábios.
Não tinha, nem pela humanidade nem por si próprio, uma consideração por aí além. Abominava o doutor Oliveira Salazar e o socialismo, achava que as pessoas se deviam agrupar em pequenos núcleos, já que, nos grandes, o diálogo era impossível. A si próprio atribuía, como ideologia, o “anarco-comunalismo”, coisa mirífica onde as pessoas se deviam dar bem porque se ignorariam quanto pudessem, e onde o Estado se tornaria (quase) desnecessário. Talvez por isso era monárquico, concebida a monarquia como um sistema em que o chefe era próximo porque longínquo, doce, estimado, não estava sujeito às discussões dos fabricantes delas e só aparecia quando era indispensável, na certeza de que o ideal era que não precisasse de aparecer.
O João leu coisas que ninguém mais leu, sabia coisas que a mais ninguém era dado saber, pensava coisas que ninguém mais pensava.
Por baixo das anedotas que a seu respeito se contavam, talvez por ele incentivadas, escondia-se um ser pensante, quase genial, que raciocinava a galope e chegava a conclusões que causavam estranheza, inveja, até repulsa à chã farronca do comum dos mortais.….”
“…Os seus escritos, que transportava em bolsos imensos, quase a arrastar pelo chão, a contestação de Bernstein e Marx, as críticas ao senhor Soares (Mário), como ele lhe chamava, as suas teses sobre a nacionalidade, os descobrimentos, o miguelismo, sei lá, tudo deve estar perdido. Deve-lhe ter caído dos tais bolsos, já rotos, vítimas da usura e do desleixo.
Há Homens que muito poderiam ter dado, ou deixado, ao seu semelhante. Assim não aconteceu com João Carlos Camossa de Saldanha, não porque não tivesse produzido, e muito, mas porque nunca teve intenção de fazer disso honra...”
António Borges de Carvalho ihttp://irritado.blogs.sapo.pt/74027.html



João Camossa (I) - 15/12/1925-16/10/2007

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Biografia
João Carlos Camossa de Saldanha "nasceu" monárquico. O seu pai, o capitão-mar-e-guerra Augusto Saldanha, foi um dos resistentes ao 5 de Outubro de 1910, o que lhe valeu a prisão e muitos dissabores na carreira militar e na vida familiar.
Foi membro do grupo fundador do Centro Nacional de Cultura – excelente e legal pretexto para o activismo e formação política -, participou no grupo de Gonçalo Ribeiro Telles, Francisco Sousa Tavares, Rodrigo Sousa Félix e Fernando Amado, marcando aquele vital momento de ruptura com os resquícios de uma Causa Monárquica que vivia na expectativa do final cumprimento de longínquas promessas do regime vigente.
Esteve envolvido na formação, nos anos 50, do anti-salazarista Movimento Monárquico Popular (com a Liga Popular Monárquica e a Renovação Portuguesa daria origem à Convergência Monárquica, que passou a chamar-se PPM após o 25 de Abril),
Durante décadas foi conhecido activista opositor à 2ª República, tendo participado activamente em episódios como a Revolta da Sé (1959) e o Golpe de Beja (1961), o que lhe valeu a estadia no conhecido Aljube. Durante o julgamento dos implicados no Golpe de Beja, foi contra a estratégia dos outros advogados da defesa que procuravam argumentar com a formalidade dos princípios democráticos da Constituição de 1933. Pelo contrário e para estupor do Tribunal, o monárquico assumiu frontalmente a ruptura contra o ordenamento constitucional republicano e corporativo, tendo passado rapidamente, durante a audiência, de defensor a preso, por ordem do juiz.
Monárquico convicto, revolucionário e activista no movimento anarco-sindicalista que se opôs veementemente ao Estado Novo, foi, por múltiplas vezes, vítima das sevícias e prisões da polícia política, que o colocaram na frente dos diversos movimentos que se opunham então ao sistema salazarista, nomeadamente quando integrou o «Movimento de Beja».
Em 1974 Camossa funda o Partido Popular Monárquico, ao lado de Barrilaro Ruas, Rolão Preto e Ribeiro Telles. O anarco-comunalista João Camossa representava a corrente libertária do partido, para quem o rei deveria ser o último vestígio do Estado.
Foi representante do PPM na Assembleia Municipal de Lisboa e pertenceu aos serviços de apoio jurídico na Assembleia da República, durante o período da Aliança Democrática.
Colaborou por diversas vezes em jornais e revistas sobre temas políticos, históricos e culturais.

Fontes: 


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

PROPOSTA DE ACTUAÇÃO DOS MONÁRQUICOS PERANTE A REFORMA ADMINISTRATIVA


Outubro a Janeiro de 2011

1.    Pedido de parecer a juristas monárquicos sobre a possibilidade de se exigirem referendos locais e da melhor forma de o fazer.
2.    Convocatória pelas Reais Associações dos seus membros para discussão das propostas para a sua área de actuação.
3.    Abertura dessas reuniões à restante sociedade civil.
4.    Caso o ponto 2 não seja possível ou não tenha resultados, que cada um, sozinho ou em conjunto com outros, monárquicos mas não só, fomente na sua região a discussão do tema.
5.    Elaboração de propostas concretas para apresentar em Assembleia de Freguesia ou Assembleia Municipal (verificar calendário das mesmas).
6.    Atenção, que o processo de discussão nas assembleias de freguesia e municipais decorre até final de Janeiro!
As ligações seguintes são os documentos que cada região tem de estudar para poder debater a reforma:
1 - Documento Verde da Reforma da Administração Local
2 – Anexos ao Documento Verde da Reforma da Administração Local
3 - Dados do censos 2011 para cada município


12/10/11
Pela Resistência Popular Realista
Maria Leonor Martins de Carvalho
José Carlos Morais

sábado, 8 de outubro de 2011

Textos em defesa da língua (2) - Luis de Almeida Braga


http://www.maltez.info/
respublica/topicos/aaletrab/

braga,_l._a..htm
Defender a língua da confusão cosmopolita é tarefa que não pode adiar-se. O valor político do idioma não consiste apenas em afirmar a nacionalidade; reside sobretudo em ser o instrumento activo das suas tradições.
A corrupção babélica da língua é coisa bem diferente das transformações inerentes à própria evolução vital. A formação orgânica de novos vocábulos, novas acepções acrescidas às de antigo uso, arcaismos que remoçam, a adaptação de vozes expressivas e precisas, alterações sintácticas que favorecem a harmonia e a clareza, tudo isso deixa a salvo a integridade do idioma: é o movimento da sua própria evolução. Mas o que não pode tolerar-se é a formação das palavras castiças, o abuso do estrangeirismo estridente e inútil, o emprêgo absurdo das preposições, a introdução de sons estranhos à música da nossa língua, — “a que primeiro praguejou com a tempestade oceânica e a primeira que traduziu a alma das imensas distâncias - a saudade”...
É do vosso aplaudido João Ribeiro (não ignorais) esta bela frase onde, como nos búzios o mar, o génio puro do idioma pátrio longamente ressoa.
Língua Portuguesa, trino de ave no fino azul e trovão que abala o céu; meiga e brava, que ora se roja como as ondas na areia, - quando soluça e chora, ora como as ondas se alevanta e encrespa,- quando ruje, amaldiçoa ou ameaça!
Veio-lhe do arfar das naus a cadência lânguida, e o mar lhe pegou o cheiro que tem a algas e sargaço. Fogosa como corcel de batalha, é dócil como o vime. Urdida na penumbra das ramadas e bordada sob laranjeiras em flor, é branda e cândida, boa para confessar baixinho segredos do coração e o abrir e abrasar em arroubos místicos…
Língua em que o Sol se namorou da névoa e criou a neblina para ensinar o gôsto musical das palavras, que mais do que dizem, deixam adivinhar… Língua de esmeraldas e madrepérolas, a mais terna entre todas e a mais linda, ¿como não amar-te?
Não é o idioma de um povo mercadoria que se lhe ponha à escolha para pegar ou deixar; històricamente associado o povo à formação da língua, ela é parte consubstancial do seu próprio ser. Quando a linguagem se vicia de tal modo que ameaça corromper-se e tornar-se dialecto, necessário é voltar à canteira maternal, às aldeias e aos montes, à rústica plebe, aos livros vélhos e esquecidos.
A língua em que os Trovadores dos Cancioneiros cantaram as suas coitas de amor, soluçou Bernardim suas pungentes saüdades e os chistes de Gil Vicente são ainda lição e exemplo; a língua em que Fernão Lopes presentiu a nova idade do mundo e Azurara pôde Ouvir os Altos Infantes diante dos muros de Ceuta; a língua através da qual Tomé de Jesus e Heitor Pinto deixam entrever o Céu e João de Barros e Diogo do Couto, por entre rufar de tambores, estrondos de trombetas e bombardas, tinir de lanças e adagas, amostram o Oriente a arder num perfumado braseiro de enfurecida glória, - toda a azafama dos Descobrimentos, trabalhos do mar, perigos da terra…; a língua em que Bernardes transforma as palavras em beijos para falar de Jesus e Vieira se atreve a reprender a Deus senão ajuda bem os Portugueses na defesa dos bastilhões brasileiros, ei-la agora, tendo rodeado o mundo e por êle se repartido em pedaços, desde Ceilão à Polinésia, desde Malaca ao Japão, que serena e altiva, ao jeito de Camões, !”na quarta parte nova os campos ara”!
Pelos séculos fóra, para além da morte, devia comemorar-se quotidianamente sobre o altar o milagre da fala que nos irmana. Assim o quis António Cavide, que serviu a El-Rei Dom João IV com grande confiança e foi seu Mantieiro e Escrivão da Câmara, na cláusula da escritura de doação feita em 1667 aos Eremitas de Nossa Senhora da Graça, estabelecendo e exigindo para sempre que em cada dia do ano fôsse rezada uma Missa por todos os que falarem a língua portuguesa.
¿Onde houve já idioma que merecesse tão religioso carinho? ¿Onde se encontra mais comovida confissão do imortal encanto da nossa linguagem, da solidariedade eterna que ela entre nós estabelece?


Extracto de Conferência realizada na Faculdade de Direito de São Paulo (Brasil)
Luis de Almeida Braga in Paixão e Graça da Terra, 1932, Livraria Civilização

domingo, 2 de outubro de 2011

É tempo de tocar o sino!

O governo divulgou recentemente o chamado Documento Verde da Reforma da Administração Local.
Apesar de se chamar “documento verde”, apresenta critérios e calendários bastante amadurecidos, para aquilo que se assemelha a um novo “Mapa cor-de-rosa” (não é o das autarquias PS, é o africano…), impingido pelos colonos da Troika.
As tradicionais Freguesias, com origem nas seculares paróquias onde eram feitos os registos de nascimento, e que são ainda hoje o mais genuíno órgão de poder das comunidades locais, vão ser reformuladas com base em critérios demográficos, em nome de uma suposta modernização. Significa isto que a identidade cultural comunitária, as tradições e mesmo a organização territorial histórica, serão simplesmente trituradas por uma máquina estatística que apenas olha as pessoas como números.
Segundo o calendário publicado, temos 90 dias nos meses de Novembro, Dezembro e Janeiro, para debater este assunto nas assembleias Municipais e de Freguesia. Se não houver informação, e um toque a rebate para despertar consciências e motivar a participação das pessoas na definição dos seus destinos, tudo será decidido de forma mecânica pela administração central. A nova lei deve estar aprovada até ao final de Junho. Claro que já se percebeu, que o interesse de alguns é mesmo transformar o que deveria ser um grande debate popular, numa mera negociata de salão. Depois virá a apresentação do facto consumado, atirando responsabilidades para a Troika e para a falta de participação durante os tais 90 dias.
Importa pois que nos apresentemos nas assembleias municipais e de freguesia para exigir a informação e o debate. Este é um assunto que não pode passar ao lado das populações, e que deveria ser objecto de referendos locais (se não servem para isto, servirão para quê?). Caso contrário muitos se arriscam a que, no próximo Verão a “sua” Freguesia tenha desaparecido, e tomem disso conhecimento por uma qualquer notícia de jornal. O poder ficará mais longe em nome de uma suposta “maior proximidade entre os níveis de decisão e os cidadãos”. É tempo de tocar o sino!

sábado, 1 de outubro de 2011

Textos em defesa da língua (1) - Luis de Almeida Braga


http://www.maltez.info/
respublica/topicos/aaletrab/

braga,_l._a..htm
...Nada melhor que a Arte conserva e ennobrece a Tradição. A indústria, o comércio, a lavoura tornam a vida mais fácil, mas é a sciência, a arte e a literatura que lhe dão beleza e lhe dão encanto.
...A literatura é a clara linguagem da alma da Pátria, a embaladora voz que a entretem e canta. Por isso o melhor escritor é aquele que mais enternecidamente e mais profundamente sabe mostrar-se homem da sua raça.
Para lá da vontade dos govêrnos, e da mesma sorte que as leis e as guerras, são as estátuas, os monumentos, as crónicas e os poemas que formam as nações. 
...Se o povo que um dia cair escravo souber conservar o amor da sua língua, consigo terá sempre guardado o segrêdo da sua liberdade, - promete o verso célebre de Mistral. Ainda há ignorantes ou irreflectidos que julgam ser os poetas, na vida do país, simples ornamento. Para êsses, tem foros de verdade o paradoxo de Platão, e a sentença de Aristóteles - a Poesia é mais profunda e mais filosófica do que a História — não a entendem sequer. Ora um poeta como Camões, animador e mantenedor do espírito nacional, é para a gente da sua fala elemento essencial do banquete da vida, pão de puro fermento, que a admiração e a reflexão multiplicam. A sua obra, tal uma fôrça da natureza agindo inteligentemente, a pouco e pouco produz, em tôdas as ordens do pensamento e através das mais altas ondas de incertezas e dificuldades, profundas e benéficas transformações.
Eu não sei de melhor formador de homens, nem conheço mais certo guia de acção que o poeta vivíssimo de Os Lusíadas. A leitura dêsse poema é estímulo constante aos mais nobres cometimentos da vida. Para a gente da nossa língua e do nosso sangue, Os Lusíadas não são lugar de paz ou de meditação filosófica: são escola de todas as energias que se chamam audácia, vontade, amor; numa só palavra – são uma lição de vida estrénua.
Não é o silêncio das coisas mortas que ao ler os versos de Camões invade a nossa alma; é o clangor épico de uma trombeta de guerra que a atravessa, e nos deslumbra e chama. Vinde ouvi-lo também , lusíadas novos, meus amigos e meus irmãos!

Uma geração que vá educar-se ao calor das rimas camoneanas, vejo-a eu já heróica, forte, bela, máscula, palpitante de tôdas as energias primitivas da terra. 

Extracto de Conferência realizada na Faculdade de Direito de São Paulo (Brasil)
Luis de Almeida Braga in Paixão e Graça da Terra, 1932, Livraria Civilização

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Afonso Botelho - 04.02.1919 - 20.09.1996


DA RESTAURAÇÃO (extracto)

(Ultima intervenção política de Afonso Botelho)
No que diz respeito a este sentido do poder absoluto, também a República nos confundiu noutro equívoco, transformando em impulso emocional a divergência histórica entre miguelistas e liberais. Para tanto, amputou a essa dramática oposição nacional os principais valores que nela estiveram em jogo. Na realidade, a mais profunda causa do desencontro histórico não residia na absoluta ou limitada acção governativa do Rei, mas na manutenção ou rejeição de uma ampla ideia tradicional da origem do poder e da genuinidade dos costumes e privilégios dos povos.
Era esse afinal o absolutismo que o senhor Dom Miguel representava e que nasceu inseparável e unido ao Cristianismo ocidental na sua raiz autêntica, inspiradora da lei fundamental do Reino. Nesse sentido se elege ainda hoje a aspiração primeira do tradicionalista de restaurar o poder e, digamo-lo claramente, a obrigação prioritária do monárquico de restaurar o regime, que, em seu profundo convencimento, é o único apto a fazê-lo.
Tomo esta obrigação, meus ilustres e estimados Companheiros, não por uma abstracta dedução lógica, mas por uma razão existencial: tomo-a com a urgência das situações terminais, porque terminal me parece o ânimo dos portugueses em relação à própria necessidade do poder político, a cujos esgotamento e aviltado exercício assistem revoltados.
Não creio que seja indispensável invocar mais uma vez a conclusão daqueles politólogos americanos que denunciam precisamente como sinais do termo da forma democrática vigente, todos os gravíssimos problemas que a insanável oposição entre liberdade e igualdade criou.
Em Portugal, neste momento, já nem é a perversão do poder que nos provoca, mas a sua quase total inexistência. E a reacção a esta ausência cada dia se manifesta de uma forma mais clara e alarmante, posto que esse significado não nos seja perceptível como verdadeira realidade.
Efectivamente, a acção degenerescente prolifera em actos que ainda não possuem a força que desencadeia a revolução sangrenta, nem a concentração do golpe político, mas que denuncia a angústia ameaçadora da sociedade que, impedida de se representar num poder aprisionado pelo sistema, chama a si a sua força e as suas competências, se substitui a ele, ocupa-o, partilha-o à margem da lei. Existimos realmente na ordem e na estabilidade equívocas, que se processam entre uma partilha indefinida do poder e um Estado que, para subsistir, sobrepõe ao poder a omnipotência (na observação subtil de um comentador político).
Hoje, o nosso ponto de partida é necessariamente reflexivo de início, mas logo devém operativo, de tal modo se nos revela urgente restaurar o poder.
Como cidadãos ainda teremos de cumprir as leis da cidade, porém sob reserva, porque nem a cidade dos nossos dias é idêntica à polis grega, nem a lei vigente merece o sacrifício da vida de Sócrates. Mas, como monárquicos, não dispomos outra vez de clima social e político para protelar ou secundarizar a restauração da Monarquia.
Perante o que afirmamos ser, redescobrir e restaurar o poder genuíno é finalidade que não pode tranquilizar-se na normalidade democrática, nem ceder aos seus apelos emolientes.
Em relação à sua força de captura, tal como prisioneiro de guerra, o monárquico tem por dever prioritário recuperar a liberdade, que, para o seu código de honra, antes de ser de si próprio, o é dos destinos da Pátria.

7 de Outubro de 1995, no encontro anual da Liga Popular Monárquica, em Guimarães "Da Restauração", in Boletim da Liga Popular Monárquica, série F, nº 16, Outubro-Dezembro de 1995, pp. 9-11 e também in Consciência Nacional, nº 187, Janeiro-Outubro de 1995, pp. 1, 3. 
Reproduzido em http://www.angelfire.com/pq/unica/il_1995_afonso_botelho.htm a partir de Gonçalo Sampaio e Mello, "Afonso Botelho, Legitimista"...., pp. 249-253.

sábado, 17 de setembro de 2011

OLIVEIRA MARTINS sobre SMF El-Rei D. MIGUEL I

 (A propósito dos últimos dias do cerco do Porto)

Quem, despido de ódios e paixões politicas, pára a meditar n'este instante, olhando o que vae seguir-se, é forçado a sympathisar com esse príncipe infeliz, tão odiado e tão digno, tão nobremente caído depois de luctar até ao fim, tão raramente exilado n'uma penúria absoluta: a sympathisar, repetimos, com esse principe que, por uma excepção talvez única, não poz dinheiro nos bancos para o caso da retirada forçada, e teve de viver das esmolas que de Portugal lhe mandaram os seus partidários e amigos. Se a dynastia de Aviz terminou heroicamente, a de Bragança teve em D. Miguel um typo de honradez simples. Os dois príncipes mais desditosos — accaso por isso os que o povo mais amou! personalisaram as duas melhores faces do caracter nacional.

Levou de Portugal a roupa que tinha vestida: entregou tudo, quando partiu para o desterro. A convenção expulsava-o, prohibia-lhe voltar ao reino, e dava-lhe a pensão annual de sessenta contos, clausula que punha o cumulo ao desespero dos liberaes vencedores. Quando desembarcou em Génova e se achou livre dos graves deveres contrahidos perante um exercito vencido e solidário do seu destino, D. Miguel protestou contra o que fizera, recusou um dinheiro que seria como o de Judas, proclamou os seus direitos, contra a força a que tivera de submetter-se. Accusaram-no então de felonia, chamando-lhe nomes descarados na lei que as côrtes votaram. Pobre de quem não admittir que nenhum caracter nobre deixaria de proceder n'esse momento como procedeu D. Miguel!
in Portugal Contemporâneo L. III. —IV – 2 e 5

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O cavalo e o caracol

Quando as novidades fiscais entraram a trote estava a ler Paixão e Graça da Terra, de Luís de Almeida Braga, publicado em 1932.
Nem de propósito, na página 203, apareciam umas frases atribuídas a D. João II, o nosso Príncipe Perfeito, mas sem referir a fonte.
Imediatamente me pus em campo. Deu trabalho mas foi possível, porque está numa nota na página 126 dos Elementos para a história do Município de Lisboa de Eduardo Freire de Oliveira de 1882.
Claro que a história teria de ter origem num cronista-mor do Reino, Ruy de Pina…
A nota reza assim:
Refere o antigo chronista-mór do reino Ruy de Pina, que D. João II, quando se lhe propunha algum novo imposto, fazia a seguinte observação: — «Vejamos primeiro se isso é necessário;» — e, quando se convencia d'essa necessidade, dizia: — «Busquemos saber agora quaes são as despezas supérfluas.»
Nem mais. Verdade no séc. XV, verdade no séc. XXI. Mas onde estão agora os Príncipes Perfeitos?
Tudo soa a remendo apressado cosido a trouxe-mouxe, os bolsos afectados são sempre os mesmos e porque é tão mais fácil fazer o fácil, ataca-se em todas as áreas que esses bolsos frequentam. Até já há quem proponha novos impostos (ainda sempre para esses bolsos) como quem descobre um nicho de mercado inovador e de tecnologia de ponta.
Desde há uns anos que a carga fiscal se tem vindo a elevar de tal forma em Portugal que parece que não pertencemos à Península Ibérica mas a uma outra península, bem mais a Norte… Veja-se, como simples exemplo, a diferença no IVA relativamente a Espanha…
Com mais estes impostos troikistas e extra-troikistas, num país que teria há um tempo uns 20 e tal por cento de economia paralela, o risco da evasão fiscal aumenta vertiginosamente. Uns invocarão a sobrevivência, outros a revolta pela falta de equidade na distribuição dos sacrifícios, outros ainda, vão simplesmente agarrar a oportunidade das altas e limpas margens de lucro que as elevadas taxas de imposto proporcionam.
Se à evasão fiscal acrescermos a diminuição do rendimento das famílias, fácil é de prever que a receita almejada dificilmente será alcançada...
E o que também está a enfurecer os portugueses: falta ainda saber o tipo de cortes e da sua justeza.
Nesta corrida, parece que agora o galope do cavalo tributário já é desenfreado, deixando o passo do caracol dos cortes na despesa a 50 voltas de distância.
Não parece que esta história tenha o mesmo fim da história da lebre e da tartaruga…

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Fernando Costa Quintais - 1926? - 05/09/2007

Carta-Prefácio de Henrique Barrilaro Ruas em A Fonte das Recordações de Fernando Costa Quintais


            Meu Caro Fernando,

A vida já dobou quase quarenta anos depois que nos encontrámos, a primeira vez, ali na velha Rua das Chagas. A clássica relação didáctica dos primeiros tempos foi bem depressa substituída pela da amizade, uma amizade feita de comunidade de gostos e desgostos, de interesses intelectuais, de crenças humanas e divinas. E vieram as descidas comuns aos luminosos abismos da filosofia, o hábito de conversar sobre coisas exigentes à beira de duas chávenas de café, mais tarde a aventura, a seriíssima aventura política, a nossa CEM, em que as ideias monárquicas voltaram a desafiar a força eleitoral ao fim de umas dezenas de anos de renúncia. A experiência da Convergência Monárquica, que o 25 de Abril permitiu se tornasse forma de vida partidária, levou-nos ao PPM, que nos marcou e nós também marcámos e que foi uma boa escola de ilusões e desilusões.

Tanto tempo passado, e já passados para lá do tempo tantos dos nossos companheiros, faz bem lembrar a sementeira em que tomámos parte, o claro e persistente enunciado de princípios, o gosto de servir a Pátria e o Rei, a constância no amor de Deus.

Recebo agora este convite para prefaciar a sua primeira obra, esta fonte pura de memórias, esta visita ao passado feita com carinho e alegria. Deste modo me faz participar num encontro de família, amena conversa ao pé do lume, quando as frescas esperanças dos netos desencadeiam caudais de outros tempos. E eu sinto-me bem nessa plateia curiosa e comovida, ouvindo a fonte murmurar baixinho ou, mais densa, rumorejar, impor-se. São histórias simples de família, ou lembranças mais amplas da família portuguesa. Uma perfeita arte de contar entretece harmoniosamente o que é do lar doméstico ou envolve tradições de um Povo. Seria bom que muita gente lhe seguisse o exemplo, para não serem tão raros os pequenos portugueses afeiçoados ao culto de imagens de outras realidades, de sons perdidos num espaço sagrado, de bênçãos que ainda fazem parte do acto criador.

O Fernando soube reavivar, com o mesmo golpe de asa, o passado que foi seu e aquele que foi da sua estirpe ou da gente das Beiras, na cavalgada dosséculos. Nenhuma lembrança envelhece, nenhum tempo se esvazia, quando tocados por si.

Das velhas povoações de que fala, conheci Sernancelhe e Penedono, quando tinha entre 14 e 16 anos, quer dizer tinha o Fernando entre 9 e 11. Assim, a saborosa história do seu exame distinto, esse conto de extrema simplicidade e de riquíssimo simbolismo, passou-se a bem dizer ao pé de mim... A senhoril Sernancelhe fazia as minhas delícias em dias estivais, graças à hospitalidade da família Ribeiro Saraiva Donas-Botto. Fica-me a pena de não ter assistido, meu caro Amigo, a esse seu primeirís-simo triunfo académico...

Desejo-lhe agora novos triunfos: que este colorido e viçoso feixe de lembranças seja bem acolhido pelo que tem de perfumado encanto, pelo que vale de ideias certas, de certezas fecundas. E que outros livros da família deste venham a formar-se ao sopro espiritual da sua fantasia e da sua verdade. Já alguma vez me fora dado saborear as suas primícias poéticas, que saudei gostosamente no Almanaque da Festa Brava, onde o Francisco de Morais Sarmento nos fazia encher semanalmente algumas páginas de prosa e em que se arquivavam belas recordações suas, da Beira Alta ou de Lisboa ou da África muito querida. Guardo, com uma outra forma de admiração e simpatia, esse copioso e incomparável Livro do Mérito, que a sua vontade generosa ergueu em honra de muitos portugueses fiéis. Espero, que, se não for já eu, sejam muitos os leitores das obras __ ao menos essas __ que o Fernando anuncia no interior desta. Olhe que fica a devê-las!

E vai um xi-coração do seu velho companheiro e amigo muito seu

Setembro de 2000, Ano Jubilar de Jesus Cristo

                                                          Henrique