sábado, 17 de novembro de 2012

Esta palavra descentralização...


 Para além da linguagem já criada, codificada nos dicionários e recriada na literatura, as vagas do tempo trazem à tona do consciente falado certas palavras, ainda jovens de conteúdo, que vêm substituir outras, sorvidas e mastigadas pelo uso e desuso na retórica ideológica.
E o discurso político para ser de novo ouvido e acreditado apropria-se assim gulosamente de novos termos que irá usar indiscriminadamente, enfaticamente, como um fato novo providencial, sem ter em conta o que de facto significam. Este uso destorcido das palavras, sobretudo das mais ricas e fecundas no campo da liberdade política, acaba por as atrofiar e murchar e, o que é mais grave, atrofiar e murchar o próprio conceito que traziam consigo.
Com tal insistência isto acontece que quase se acredita significar tal uso não tanto o querer dizer o que elas dizem mas exactamente gastá-las no abuso e evitar assim que falem…
É sempre instrutivo seguir a vida atribulada de certas palavras e do conceito que deveriam exprimir. É o próprio uso da língua que conduz a escorregamentos semânticos. É frequente o fenómeno. No entanto, quando ele se dá na linguagem política, que deveria ser, por sua natureza, não errática nem poética mas tanto quanto possível exacta e precisa, a gente treme…
Na política se resumem as leis pelas quais os homens se regem. Qualquer flutuação de sentido nas palavras usadas pode levar a resultados imprevisíveis e catastróficos. Quando vem à baila, por exemplo, a palavra democracia, tão debilitada que precisa de muletas, uma burguesa e outra popular, verificamos que toda a confusão política, as arbitrariedades, os atropelos, os abusos e as tiranias podem encontrar a sua via para se instalarem, através do mau uso das palavras.
Uma das palavras novas lançadas no mercado político do nosso país, na era recente, foi a “descentralização”. Todo o país riu quando o I Governo Constitucional disse estar praticando uma política de descentralização só porque foi um dia reunir-se no Porto.
….
Em Portugal não existe poder local. Desenganem-se os ingénuos. Só há poder partidário. …Quem manda é o Governo.
Mas o som mágico da palavra “descentralização” ainda não se gastou.
….
Para já o poder das autarquias é partidário, vive de subsídios do poder central e está amarrado às decisões do mesmo poder.
Porque esse o plano global é permitido com tal força, com tal vontade, com tal exactidão que qualquer fissura, a mais ténue veleidade de liberdade local, desfeará o edifício. Ele é uma construção total. Não admite construçõezinhas à vontade do habitante… Essa liberdade já não se usa. Hoje a tecnocracia e o socialismo, de mãos dadas, vão-nos dar um país muito arrumadinho…
Entretanto continuaremos no engodo e no engano de “descentralização”. E esta palavra tão promissora de liberdade autêntica continuará a ser desvirtuada. Já o é de tal modo no Programa do II Governo que nele se usa quase indistintamente a descentralização e desconcentração… Como se fossem exactamente a mesma coisa.
E a memória colectiva da nossa antiga liberdade municipal acabará por se desvanecer pois a própria palavra que a definia se vai extinguindo por uso indevido. Daqui a pouco tempo estaremos todos fartos de “descentralização”. E com inteira razão. O que não saberemos mais chamar pelo nome próprio aquilo que ela significava. E isso será uma perda irreparável.

Teresa Maria Martins de Carvalho in Jornal Novo 12/7/78 (incluído in D. Sebastião e Eu – 1982)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Deputados em partidocracia

   Por definição democrática, os deputados a uma Assembleia representativa são representantes do Povo. Esta a teoria. Na prática, porém, propostos à votação exclusivamente pelos partidos políticos, e por estes assegurada a sua reeleição, os deputados são-no, por conseguinte, dos directórios dos partidos e não do Povo, que não tem nenhum papel na sua candidatura. Este facto altera o sentido representativo e modifica toda a mecânica fantasiosamente prevista no regime.
   Uma vez eleitos os deputados, quaisquer que sejam as correntes de opinião pública que se formem, ficam apenas dependentes da disciplina partidária.
   Suponhamos o caso de um partido que formou governo perder a confiança do país. Mas como a moção de desconfiança que vale não é do país, mas dos deputados na Assembleia, e estes têm de obedecer ao partido, o governo mantém-se legalmente em funções. Por aqui se vê que em partidocracia os deputados não interpretam necessariamente a vontade do Povo, mas sim a dos dirigentes do partido a que pertencem.
   A partidocracia pode ser, sem dúvida, uma forma de democracia, mas é uma das formas mais viciosas de que esta se pode revestir.
   O que move a democracia partidocrática é a abstracção das suas ideologias e, sobretudo, o interesse dos partidos. As altas conveniências nacionais ficam para terceiro lugar. Não seria assim se a formação da Assembleia da República assentasse em bases sócio-profissionais e regionais, e principalmente se os deputados tivessem um mandato imperativo. As forças impulsionadoras seriam então de outra natureza e outros os efeitos.
   Com o Povo organizado por meio das suas associações vitais (e só assim se pode verdadeiramente dizer que existe Povo), isto é, com a representação dos organismos sociais, muito teria a lucrar. O eleitor tornava-se incomparavelmente mais consciente no seu voto; os deputados seriam fiéis às origens representativas; a Assembleia, perdendo o carácter político-ideológico, adquiriria um carácter nacional; as votações sectoriais e parcelares substituiriam, com economias de toda a espécie, as agitações demagógicas das eleições gerais; de uma nova ordem, natural e construtiva dentro de uma autêntica liberdade adviria, como consequência lógica, um clima de facilitado entendimento.
   ...
   As razões partidárias sobrepõem-se assim às razões justas. Ora nós queremos deputados de toda a população na multiplicidade da sua expressão; não apenas deputados de partidos políticos, mas também de todos os "parceiros sociais". 

Mário Saraiva in Sob o Nevoeiro (Ideias e Figuras) Edições Cultura Monárquica 1987

domingo, 7 de outubro de 2012

Mensagem de Dom Duarte de Bragança, 5 de Outubro de 2012


Portugueses,

Nesta hora difícil que Portugal atravessa, talvez uma das mais difíceis da nossa já longa história, afectando a vida das famílias portuguesas e dos mais desfavorecidos de entre nós, Eu, enquanto descendente e representante dos Reis de Portugal, sinto ser meu dever moral e obrigação política dirigir-vos uma mensagem profunda e sentida, como se a todos conseguisse falar pessoalmente.

Estamos a viver uma terrível crise económica, o nosso país vê-se esmagado pelo endividamento externo, pelo défice das contas públicas e pela decorrente e necessária austeridade.

O actual regime vigora há pouco mais de 100 anos, e muitos dos seus governantes, por acção ou omissão, não quiseram ou não foram capazes de evitar o estado de deterioração a que chegaram as finanças públicas. Tais governantes, é preciso dizê-lo de forma clara, foram responsáveis directos pela perda da soberania portuguesa e pelo descrédito internacional em que caiu Portugal, uma das mais antigas e prestigiadas nações da Europa. Sem uma estratégia de longo ou sequer de médio prazo, sem sentirem a necessidade de obedecerem a um plano estratégico nacional, não conseguiram construir as bases necessárias para um modelo de desenvolvimento politicamente são e economicamente sustentável, optando, antes, pelo facilitismo e pelo encosto ao Estado.

Infelizmente, o Estado, vítima também ele da visão curta com que tem sido administrado, tem permitido que se agravem as assimetrias regionais, que se assista à desertificação humana do nosso território e que fique cada vez mais fundo o fosso que separa os mais ricos dos mais pobres. Infelizmente, Portugal continua a ser dos países europeus com índices de desigualdade mais altos. Todos têm o direito de ver bem remunerado o esforço do seu trabalho, da sua criatividade, da sua ousadia e do seu risco, mas a ninguém pode ser cortada a igualdade de oportunidades. Agora, neste momento de particular gravidade, em que nos é pedido um esforço ainda maior, recordo que o Estado é sobretudo suportado pelo fruto do esforço, do trabalho dos portugueses e de muitas das empresas a quem os portugueses dão o melhor das suas capacidades. Todos eles são merecedores do respeito por parte de quem gere os nossos impostos, e é esse respeito, esse exemplo que se exige ao Estado. Não posso deixar de aplaudir a dedicação, a entrega e sobretudo a enorme boa vontade com que inúmeros funcionários públicos se dedicam a servir com dignidade o nosso país.

Mas este diagnóstico e estas constatações valem pouco, valem muito pouco, quando confrontados com as dificuldades com que muitos portugueses hoje se debatem. Um facto é incontornável: a crise está aí e toca-nos a todos, e com ela se vão destruindo postos de trabalho, se vai degradando o nível de vida das nossas famílias e se vão desprotegendo os mais frágeis. Não tenhamos ilusões: muitos são os que hoje só sobrevivem graças à imensa solidariedade de que o nosso povo ainda é capaz. Porque somos um povo generoso, gente de bem, somos um povo capaz de tudo quando nos unimos em torno de um objectivo comum.

Torna-se importante, por isso, lembrar que neste dia, há quase 9 séculos, contra todas as adversidades, nascia Portugal, uma nação livre e independente, fruto da vontade e sacrifício dum povo unido à volta do seu Rei.

Então, como agora, foi fundamental a existência de um projecto nacional, uma causa comum e desejada que a todos envolveu: grandes e pequenos, governantes e governados, homens e mulheres. Um projecto que tinha, acima de tudo, o Rei e os portugueses, unidos por um vínculo indestrutível, constantemente renovado e vencedor, um vínculo de compromisso que nos ajudou a ultrapassar crises avassaladoras no passado, e que se prolongou pelos séculos seguintes, sendo interrompida apenas em 1910.

Foi essa mesma comunhão, uma comunhão de homens livres, que permitiu a reconquista e o povoamento do território, bem como, mais tarde, a epopeia dos descobrimentos e a expansão de Portugal pelo mundo. Foi todo um Povo, o nosso Povo, que enfrentou, com coragem e determinação os mares desconhecidos, “dando, assim, novos mundos ao mundo”. Foi a gesta de todo um Povo que permitiu criar este grande espaço de língua e afectos da Lusofonia, vivido em pleno pelas nações nossas irmãs, hoje integradas na CPLP. E foi a renovação desse projecto que permitiu a restauração da nossa independência em 1640, neste local, naquela que foi uma verdadeira refundação nacional, só conseguida pelo esforço e sacrifício dos Portugueses de então.

É pois este o desafio que temos hoje pela frente: refundar um projecto nacional capaz de unir todos os Portugueses de boa vontade, com o objectivo de reerguer Portugal, devolvendo a esperança e o orgulho a cada português. Esse projecto mobilizador é imprescindível para que cada um de nós possa ambicionar ter uma vida normal, socialmente útil, para que possa ser promovido pelo mérito e pelo esforço do seu trabalho, criar uma família e contribuir, cada um na sua medida, para o engrandecimento de Portugal.

Para que este projecto nacional seja possível, teremos de repensar o actual sistema político e as nossas instituições, procurando alcançar uma efectiva justiça social e a coesão económica e territorial, aproximando os eleitos dos eleitores.

Devemos também considerar as vantagens da Instituição Real, renovando a chefia do Estado para restaurar o vínculo milenar que sempre uniu os portugueses ao seu Rei.

O Rei interpreta o sentir da Nação, e age apenas pelo superior interesse do país, e nenhum outro interesse deve também mover os actores políticos. Portugal precisa de autoridade moral, de união em torno de um ideal, Portugal precisa de um projecto que seja o cimento em torno da Nação – a política e, acima dela, a Coroa, deve procurar sempre servir esse ideal, e nunca servir-se dele em benefício próprio.

É num sistema político, moderno, democrático, que a Chefia de Estado, isenta como tem de estar de lutas políticas e imbuída de uma autoridade moral que lhe advém do vínculo indestrutível e milenar com os portugueses, pode e deve zelar pelo bom funcionamento das instituições políticas, assegurando aos portugueses a sua eficácia e transparência. É a mesma Chefia de Estado que pode e deve apoiar a acção diplomática do Governo com o elo natural que a liga aos países lusófonos e a muitos dos nossos congéneres europeus. Acredito que só é possível debater a integração europeia, na sua forma e conteúdo, em torno de um elemento agregador: a agenda própria de um país multisecular na Europa, mas também com continuidade linguística, histórica, social, patrimonial e empresarial em geografias distantes. É o Rei que, personificando a riqueza da nossa história e cultura, é o último garante da nossa independência e individualidade enquanto Nação.

Portugal, nação antiga, com um povo generoso e capaz de grandes sacrifícios, sê-lo-á ainda mais se encontrar no Estado e nos seus representantes o exemplo de cumprimento do dever, de assunção dos sacrifícios e de sobriedade que os tempos de hoje e de sempre exigem.

Unidos e solidários num renovado projecto nacional que devolva a esperança aos Portugueses, reencontrados com uma instituição fundacional – a Instituição Real – sempre isenta e centrada no bem comum, então todos nós Portugueses – em Portugal ou espalhados pelo mundo através das vivíssimas  comunidades emigrantes – com a grandeza de alma de que sempre fomos capazes nas horas difíceis, estaremos dispostos aos necessários e equitativos sacrifícios que a presente hora impõe. Em nome do futuro de todos os que nos são queridos, filhos e netos. Numa palavra: em nome de Portugal.

Não duvido que, aconteça o que acontecer, os Portugueses, com calma, ponderação e perseverança, saberão lutar para continuar a merecer o seu lugar na história e no concerto das nações. Eu e a minha Família – assim os Portugueses o queiram – saberemos estar à altura do momento e prontos para cumprir, como sempre, o nosso dever, que é só um: servir Portugal.

Existe uma alternativa muito clara à actual situação a que chegou a este regime, alternativa que passa por devolver a Portugal a sua Instituição Real e que, se não resolve por si só todos os nossos problemas actuais, será certamente – como o provam os vários países europeus que a souberam preservar – um grande factor de união popular, de estabilidade política e de esperança coletiva. Numa palavra, de progresso.

Portugal triunfará! Assim saibamos unir esforços, assim saiba cada um de nós, de forma solidária, dar o melhor de si mesmo, não esquecendo nunca os que mais sofrem e os que mais precisam. Que ninguém duvide: somos uma nação extraordinária, e o valor e a coragem do nosso povo serão a chave do nosso sucesso.

Viva Portugal!

terça-feira, 24 de julho de 2012

Textos em defesa da língua (3) - Hipólito Raposo


…Neste estado de autonomia, a nossa língua fez a jornada dos mares, senhoreou a África e os grandes empórios do Oriente, e viveu com o esplendor dos hinos, com as dores dos naufrágios e as lágrimas da saüdade, a vida de triunfo e de perdição da nossa epopeia marítima. E por tôda a rota da sua peregrinação, dezenas de milhões de bocas a repetem ainda hoje, orgulhosamente, nas mesmas sílabas e palavras que dominaram as vozes dos elementos, erguendo-lhe perene glorificação os falares crioulos do Atlântico, os dialectos vivos do Mar das Índias, da China e da Oceânia.
…Como já notei, não poderiam sem violência nivelar-se ao calão, algumas formas de linguagem que viveram ou vivem ao lado da nossa língua e que, pela sua incerteza e mobilidade, não constituem dialectos.
São tatuagens, assim me apraz chamar-lhes, são esmaltes exóticos outras vezes, essas expressões em que ressoam marimbas e gongues de Angola, ou de onde se evolam, ao sabor da Crónica, perfumes de tamarindos e champaca, lânguidos cantares e cintilações, desde os rios de África até às paragens do Oriente, pelo Malabar e Ceilão, por Malaca e Ilhas de Sonda, a bordo de lorchas e coracóras.
…Neste congresso permanente de raças, moiriscos, ciganos, negros da Guiné e negros cafres, peles-vermelhas, índios, chinas, javaneses, a nossa língua matizou-se de exótico, entrou nos pagodes sagrados e foi soada nas galés de piratas e nos balcões de comércio de todos os empórios.
…Portugal amado, sem língua portuguesa respeitada na sua pureza e obedecida na sua gramática, é um paradoxo lastimoso que só vive o destino efémero das palmas e dos banquetes.
A nossa língua é a obra-prima do espírito nacional, a criação para que todos os Portugueses uniram as almas durante séculos, harmònicamente, sem o desígnio, aliás impossível, de para isso entrarem em acôrdo… 
…As nações pequenas vêem-se cada vez mais condenadas pela ameaça dos grandes armamentos e das expansões do imperialismo económico, ao serem levadas pela mão das Potências, como pupilos dóceis e frágeis, às discussões da Paz e às fogueiras da Guerra. O Preste João, no seu palácio lendário de marfim e oiro, ainda vive em símbolo e lá espera que todos vamos em sua demanda. Não esqueçamos, entre outras, essa aliança poderosa e invencível, a aliança fiel de Portugal com os Portugueses dispersos pela vastidão da Terra, com todos os povos e gentes que falam a nossa língua.
…Aos nossos filhos deixemos, como melhor legado, depois dos ditames da moral e da honra, a língua portuguesa, viva, orgulhosa e incorrupta, para que a sua música não se dissolva no silêncio nebuloso dos séculos, mas seja eterna a sua voz de pensamento, a sua consolação de caridade, o seu frémito de paixão.
Estudai, estudemos todos a nossa língua com amor: nela se encorpora e vive a alma da Nação. !E por sôbre as facções e ódios que nos dividem e enfraquecem, acima de interêsses e rivalidades que nos lançam uns contra os outros, falar bem e língua materna é ainda a melhor forma de cada um se afirmar português de Portugal!

Hipólito Raposo, 1928 Tatuagens da nossa língua in Aula Régia (antes do acordo de 1945...)

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O regresso dos coalas

O governo prepara-se para fazer chegar o neo-liberalismo ao ordenamento florestal nacional. A recente proposta de alteração legislativa para ações de arborização e rearborização, abre o caminho à ocupação dos espaços florestais nacionais pelas monoculturas de eucaliptos, num retrocesso nítido no caminho de conquistas civilizacionais feitas pela luta de homens como Gonçalo Ribeiro Teles. Decretos de 1988 e 1989 condicionaram a plantação das espécies de crescimento rápido em áreas superiores a 50 há e na reflorestação de zonas de incêndio. Foi um travão para o fogo-posto na floresta tradicional com intuitos de mudança de uso e do lucro fácil. As monoculturas de eucaliptos, choupos ou acácias, degradam os solos, reduzem a biodiversidade e aumentam o risco de incêndio. Aliás é já de 1937 uma lei que proíbe a plantação destas espécies a menos de 20 metros de terrenos cultivados ou de 30 metros de nascentes ou regadio. Parecia pois do mais elementar bom-senso o condicionamento destas culturas extensivas ao parecer positivo das autoridades florestais e de conservação da natureza. Optar como agora se propõe, pelo deferimento tácito quando não se obtém uma resposta em 30 dias, ainda por cima numa altura em que se esvaziam de meios os organismos do estado a quem compete dar o parecer, é deixar uma porta aberta à destruição da floresta nacional pela eucaliptação, e fazer tábua-rasa do mais elementar princípio da precaução. Aliás, e tal como acontece na lei da reforma administrativa, os princípios de conservação da biodiversidade e de proteção dos solos que se enunciam no preâmbulo, não têm qualquer correspondência no articulado da lei. Este governo começa a revelar em muitas áreas uma espécie de bipolaridade legislativa.
O país volta a ficar à mercê dos interesses das celuloses e tudo isto se discute, de uma forma quase pornográfica, em plena época de incêndios. Segue-se o esvaziamento da Lei da Reserva Ecológica Nacional, uma vez mais em nome da desburocratização.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Ave Oeconomia, morituri te salutant !

Não percebo bem o que é a "economia de escala", mas em seu nome assisto ao fecho de escolas, tribunais, freguesias, hospitais e de muitas outras coisas que aí hão-de vir. A única escala que reconheço à economia é a humana, e não é de certeza ao serviço das pessoas que se adopta este tipo de estratégia centralizadora em tempos de crise. Hoje vivemos numa espécie de feudalismo económico, onde a natureza é explorada à exaustão e as pessoas parecem limitar-se a ser servos da tal "economia".
Ave Oeconomia, morituri te salutant !

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Um Rei para as repúblicas!

Podem existir fórmulas de democracia que sejam diferentes da representação partidária que temos. A democracia directa e participativa, é nos dias de hoje, com os meios de comunicação existentes, cada vez mais uma possibilidade real, pelo menos ao nível da organização comunal. Os novos meios de informação e comunicação facilitam esta democracia original.

Os municípios portugueses, com toda a sua identidade histórica, podiam ser entidades comunais, com poderes administrativos substancialmente maiores e que poderiam ser governados por um sistema de democracia directa (de assembleias comunais).
 
Depois, basta coroar essas repúblicas de homens livres, com um Rei que una a nação.Um rei para unir a nação e alguns ministros (eleitos por uma assembleia de representantes comunais e corporativos) para questões de administração central e relações exteriores.
Um governo com substancialmente menos poderes. Um Rei que representa a nação para a chefia do estado, das forças armadas e dos negócios estrangeiros.
É apenas uma ideia diferente de sociedade. Mas merece pelo menos o respeito de alternativa perante a falência do modelo actual.

sábado, 23 de junho de 2012

Quando os homens se cansam de ser homens


   Anda para aí uma grande alegria, porque, em determinado país, se provou mais uma vez que a maioria da população já se cansou da política e o que pede ao governo é só que se deixe estar. Podia-se acrescentar um outro voto implícito na manifestação da maioria: que o governo reduza cada vez mais o âmbito geográfico das preocupações nacionais… É a hora da mediocridade e do cepticismo. Mas o que é verdadeiramente grave é que homens que se julgam detentores da herança greco-latina, e para mais cristã, se revejam no pântano, como quem se felicita por se sentir atolado.
   Dentro da tradição greco-latina, reforçada e dignificada pelo Cristianismo, o homem é um ser essencialmente político – e a Política é obra das nossas mãos.
    Claro que um homem isolado, ou único, seria ainda homem: mas a sua existência estaria a contrariar a sua essência.
   A visão monárquica do homem não é mutiladora: a Política continua a ser vocação de cada membro da sociedade nacional.
   Afastemos como sacrílega a satisfação por vermos um povo régio (como dizia Péguy) mirrar entre as mãos de um homem (1).
    A unidade do Poder que o monárquico defende não se traduz no esvaziamento político do Povo. O Rei garante ao conjunto nacional a máxima dignidade política. E cada homem há-de participar nessa dignidade.
   Ora o modo humano de participar não pode senão exprimir-se em actos humanos, actos em que intervenha a inteligência e a vontade. Actos livres.

 (1)    A França do General De Gaulle. E outras Franças…

Henrique Barrilaro Ruas in A Liberdade e o Rei (1971)

domingo, 10 de junho de 2012

Pátria


Antes de tudo, a Pátria é uma herança. Logo, um conjunto de valores. Não se esgota no plano do ser: pertence também ao do valor. No seu sentido integral, não há herança sem herdeiro. A Pátria é algo que existe, mas que não apenas existe: é valorado. Sem olhos que a amem, não há Pátria. Entre a herança e o herdeiro há um vínculo insubstituível. A Pátria é este mundo de coisas que me pertencem e a que eu pertenço. Pelas quais sou o que sou. Porque, quando lhe dou o amor, estou a restituir-lhe o que lhe pertence: algo que ela me deu quando eu nasci.

Henrique Barrilaro Ruas 07/IV/62 in A Liberdade e o Rei

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Muitos parabéns Gonçalo Ribeiro Telles!



No dia em que faz 90 anos, a Resistência Popular Realista presta-lhe homenagem com esta antiga fotografia (circa 1950) com várias gerações de integralistas.

(terceira fila do lado direito, atrás de Pequito Rebelo)





Fonte: http://www.angelfire.com/pq/unica/il_jmq_integralismo_lusitano_sintese.html

sexta-feira, 18 de maio de 2012

De municípios a megafreguesias....


Continua a desgraçada Reforma Administrativa. Depois da extinção das Freguesias, o governo central prepara-se agora para transferir para as “Comunidades Intermunicipais” (estruturas intermédias que ninguém elegeu e são apenas locais de colocação de boys e servidores de aparelhos partidários) diversas competências dos municípios. Entre as competências que vão passar para as CIM (fonte: DN de hoje) estão a gestão de transportes públicos e escolares, parques empresariais, política de turismo local, gestão de florestas e proteção civil. Por este andar já se percebe a razão da extinção das freguesias. É que os municípios parece que se vão transformar em freguesias gigantes.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Resposta a De Gaulle


13 de Junho de 1964

“Le pays sait bien que l’État, la République et notamment sa tête, doivent être la représentation ferme, continue, impartiale, de l’interêt général… Pour plus tard, je ferai en sorte, pour ma part, qu’il en soit ainsi encore, comme il en est ainsi aujourd’hui».
(De Gaulle, em Soissons, 11 de Junho de 64)

Os regimes de poder pessoal vivem assim entre a nostalgia e a caricatura do poder monárquico.
A “imparcialidade” do General De Gaulle passa de facto as marcas…
“Moi, que incarne depuis vingt ans la legitimité de la France… » (citação de cór).
Como ele gostaria que isso assim fosse na realidade e não só nas suas palavras!
Mas bastaria, até, a ânsia do poder para revelar a sua ilegitimidade. O poder legítimo recebe-se como um encargo e uma missão – não se conquista nem se compra.
Em resumo: tudo isto revela, mais uma vez, o que o próprio De Gaulle sabe – que um presidente saído do sufrágio não é, nem pode ser nunca, “representação firme, contínua e imparcial” mais que de uma fracção, e nunca do interesse geral.
«
A “legitimidade” que De Gaulle se atribui parece porém transcender o próprio sufrágio.
Numa das suas frases inesquecíveis disse:
“Je me suis fait une idée de la France ».
Se bem conheço a psique do senhor, quer-me parecer que está aqui a chave do enigma: De Gaulle é o poder legítimo da França porque só ele tem uma ideia justa da França (da sua grandeza, da sua missão, do seu lugar no mundo).
Estamos, pois, perante uma pseudo legitimação de tipo ideológico – Hitler também tinha uma ideia da Alemanha; Staline tinha uma ideia do comunismo.
Nunca um Rei “se fez uma ideia” da sua Pátria.
O Rei de Portugal terá o pesado encargo de reinar sobre os portugueses. E basta.
Cumprirá a estes terem as ideias. Mas sobretudo realizarem os feitos.

Rivera Martins de Carvalho in Diário Político e outras páginas, Biblioteca do Pensamento Político, 1971

domingo, 13 de maio de 2012

Governo Real

O Integralismo adoptou a fórmula conhecida de Gama e Castro: “o Rei governa, mas não administra”. Dado que a palavra Governo se aplica hoje correntemente ao Conselho de Ministros e às suas atribuições de administração pública, temos de distinguir deste sentido de governo, o governo real, e de rectificar, portanto, a expressão. Contudo, melhor seria, para evitar confusões, e por consagrado que está o termo, que se continuasse a chamar governo à administração e ao seu órgão responsável e que se dissesse que o Rei reina, pressupondo que reinar pode ter um conteúdo diferente do que se lhe deu no Século XIX com o demo-liberalismo.
Em boa doutrina, aliás de há muito aceite pelos monárquicos portugueses o Rei não deve imiscuir-se, nem responsabilizar-se na administração. Não deve, nem seria conveniente que o fizesse, porquanto os actos administrativos, andando por natureza permanentemente sujeitos à crítica e à discussão da opinião pública, expõem os seus responsáveis a um desgaste crescente e fatal.
Seria o maior dos absurdos descer o Rei ao lugar de um Primeiro Ministro para se queimar e inutilizar a curto prazo nessas funções subalternas.
Que papel desempenha então o Rei?
Para que serve no Estado moderno?
A mesma pergunta fê-la, com o desplante e a grosseria de um novo-rico, o Presidente Teodoro Roosevelt ao velho Imperador Francisco José da Áustria-Hungria. Este respondeu à letra ao governante americano: - “a minha missão como rei é defender o meu Povo dos seus Governos”.
Bela e inteligente resposta que dá uma perspectiva nova à Realeza ante as tentaculares e cada vez mais absorventes intromissões do Estado na vida dos Povos!
Porém, chegou um tempo em que deve rectificar-se: a missão dos Reis é defenderem a Nação do Estado.
“Procuradores dos descaminhos do Reino”, intitulavam-se os nossos monarcas. Eis aqui uma síntese feliz do encargo real.
O governo do Rei traduz-se em impedir o desgoverno da Grei.
Mostraria não apreender o sentido profundo e transcendente da Realeza quem visse nela uma chefia de Estado apenas diferente da Presidência por ser transmitida hereditáriamente. O Rei, em verdade, não pode considerar-se essencialmente um Chefe de Estado; é-o apenas por inerência das suas funções, as quais têm um carácter eminentemente nacional, enquanto a Chefia do Estado é de índole puramente política.
Do antecedente já se vê que seria um erro crasso imaginar qualquer semelhança ou aproximação entre uma Monarquia e uma República Presidencialista, tanto como confundir o significado de Governo Real com as atribuições executivas de um Primeiro Ministro ou as de um Presidente-Chefe de Governo.
O Rei é “a Pátria com figura humana”, entendeu-o e disse-o admirávelmente o poeta. É desta faculdade excelsa de personificar a Nação que na maior parte promanam as magníficas virtualidades da instituição real. Tudo quanto possa restringir essa faculdade limita e diminui os serviços da Realeza.
Rei – personificação da Pátria,
Rei – procurador dos descaminhos do Reino,
Rei – defensor da Nação perante o Estado,
eis-nos diante de três posições basilares que necessàriamente marcam, orientam e definem a jurisdição ou magistratura real.

Mário Saraiva in Razões Reais, Biblioteca do Pensamento Político, 1970

domingo, 6 de maio de 2012

Um Rei, já!


A Fúria Centralista

A "fúria centralista" parece ser a única resposta encontrada para os problemas do nosso país. Agrega-se tudo: freguesias, escolas, hospitais, correios.... tudo! Sem que se perceba uma única vantagem no serviço às populações. Parece que a única lógica é "onde há dois problemas, se se agregarem fica um!" São uns simplistas estes administradores do nosso país.

Futuro do Euro?

Alguns amigos têm-me perguntado o que é que eu penso acerca do futuro da Zona Euro. Apenas isto: o primeiro país que sair da Zona Euro, será o primeiro a sair da crise. 

José Manuel Quintas 24/04/12

segunda-feira, 30 de abril de 2012

A Media via do Integralismo Lusitano

…Mário Saraiva especificava “as duas características privativas da monarquia”: a primeira é “a personificação da unidade pátria, a representação nacional, total, global, no sentido em que a realeza não representando ninguém em especial, nenhum grupo, nenhuma classe, nenhum partido, representa a todos em geral, em cada momento, como na sequência viva da história”; a segunda é a “independência fundamental do poder real –  o que o torna árbitro necessário e indispensável”.
Segundo Mário Saraiva, estas duas características privativas da monarquia, estes dons inestimáveis e que afinal definem a superioridade monárquica, não devem, não podem ser prejudicadas ou inutilizadas para se fazer do Rei um governante:
“O Rei não pode descer ao lugar que compete a um primeiro-ministro. A sua missão é mais alta e transcendente.
“A realeza não é propriamente uma chefatura: é uma magistratura.”
E foi assim que Mário Saraiva, situando-se no desenvolvimento da Media via entre Liberalismo e Absolutismo aberta pelo Integralismo Lusitano, apresentou em «Razões Reais» um contributo inovador que é de justiça reconhecer como uma doutrina neo-integralista dos poderes do Rei: enquanto na teoria monárquica do constitucionalismo liberal-cartista se dizia que “o rei reina mas não governa” e o Integralismo Lusitano havia inicialmente retomado a fórmula de Gama e Castro segundo a qual o “o rei governa, mas não administra”, Mário Saraiva vai adiante afirmar que o Rei não deve governar nem administrar, mas deve chefiar tudo o que não seja discutível no plano nacional – a Diplomacia, as Forças Armadas, a Justiça.
Ao atribuir ao Rei a Suprema Magistratura da República, Mário Saraiva realizou a destrinça entre governo e administração, rectificando, melhor dizendo actualizando, a primitiva proposta integralista, e no mesmo passo recuperando essa antiga e sempre nova fórmula da Monarquia Portuguesa na qual se definia o Rei como  «o procurador dos descaminhos do Reino».
…Tendo sido escrita por um discípulo reconhecido do Integralismo Lusitano, esta é na verdade uma obra da qual emerge naturalmente o filão mais profundo dessa escola de pensamento, esse que afirma que INTEGRAR quer dizer, rigorosamente, INTEGRAR A NAÇÃO TRANSVIADA NA DIRECTRIZ HISTÓRICA QUE A FORMOU E ENGRANDECEU. Retirando lição da experiência e da realidade em constante transformação, Mário Saraiva revelou-se aqui como um RENOVADOR que sabe que as fórmulas envelhecem como os homens, sendo preciso renová-las para que conservem frescura e vitalidade. Sem se deter na defesa de fórmulas vigentes ou passadas, rejeitando o conservadorismo político, assumiu-se plenamente como um TRADICIONALISTA, um pensador consciente de que a Tradição é um veio que liga acções humanas em tempos sucessivos, e que a desejada integração da Nação Portuguesa na directriz histórica que a formou e engrandeceu, não poderá realizar-se senão por intermédio de uma actualizada Solução Nacional:
"Rei – personificação da Pátria;
Rei – procurador dos descaminhos do Reino;
Rei – defensor da Nação perante o Estado.
Eis-nos diante de três posições basilares que necessariamente marcam, orientam e definem a jurisdição da magistratura real."

Creio que não é demais concluir insistindo, com Mário Saraiva: a República é a  «Res publica», Coisa Pública, Coisa do Povo; durante séculos a República em Portugal teve um Monarca por regedor e defensor; e a República existia dentro da Monarquia.
Eis porque não é demais insistir retomando também aqui o convite que Mário Saraiva lançava aos monárquicos para que repudiassem a questão política nos termos fratricidas monárquicos contra republicanos tal como tem sido posta desde o século XIX:
“A diferença entre um «soi-disant» republicano e um de nós é fundamentalmente esta: ele quer para a República um Presidente periodicamente eleito; nós queremos que a República remate pela chefatura dinástica de um Rei”.
Tal como os mestres fundadores do Integralismo Lusitano, Mário Saraiva convidava, afinal, os monárquicos a assumirem a sua «Alma Republicana», e a reconhece-la naqueles que, embora presidentistas, tenham “o mesmo acrisolado interesse pela Coisa Pública”, “a consciência de que praticam um dever cívico na primazia que concordam em dar à Pátria”.

José Manuel Quintas
Palavras de apresentação da 3ª edição da obra «Razões Reais» de Mário Saraiva, em 2 de Abril de 2003, no Salão Nobre do Palácio da Independência, em Lisboa

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Unidade Nacional

A eleição é uma escolha e, com tal, pressupõe divergências de opiniões, a discussão generalizada e a divisão do país em volta dos candidatos propostos.
No ardor das campanhas eleitorais exasperam-se as paixões partidárias, originam-se conflitos, cavam-se fundas dissenções entre os homens públicos, com vincados reflexos no seio da população.
Nos períodos eleitorais respira-se a atmosfera de uma guerra civil. Depois ficam, difíceis de cicatrizar, as feridas abertas no corpo e na alma da Nação… E quando no decorrer do tempo poderiam começar a atenuar-se os efeitos perniciosos de divisão eleitoral, eis que outra eleição se aproxima reavivando todos os males.
Quem não vê que o mecanismo da chefia republicana é um factor periódico e persistente de desunião e de luta interna?
Quem não vê que o acto fundamental e mais solene do sistema republicano é aquele que mais fere e contraria a unidade nacional?
Como nos pode prometer união um regime que nos obriga contràriamente à divisão e à luta?
E como há-de um Presidente, eleito por um sector da população, em guerra contra outros sectores da população, simbolizar e exprimir uma unidade nacional?
Em contraposição, o Rei é o chefe de Estado que não se apresenta como um candidato entre demais, nem se vota, nem se discute, não suscita desuniões. Situado num plano superior ao debate político, a sua chefatura tem um carácter nacional, e pacifica, coordena, congrega, unifica.
Em República os governos fazem frequentemente apelo à unidade, mas entendem-na como adesão e apoio, pelo menos condescendência à sua política.
A unidade republicana pretende ser unanimidade e como ela é impossível, simula-a, frequentemente, reduzindo ao silêncio as vozes discordantes. É nesse momento propício que se concentram e reforçam os poderes, em prejuízo das liberdades…
Em Monarquia a unidade estabelece-se sem constrangimentos nem perdas cívicas, sobe a variedade e a diversidade, respeitando-as, porque existe o que não existe em República – um denominador comum, que se chama o Rei.
O conceito da unidade monárquica não é o de unanimidade política; é o da harmonia do conjunto nacional.

Mário Saraiva in Razões Reais, Biblioteca do Pensamento Político, 1970

terça-feira, 24 de abril de 2012

Alexandre Herculano - 1858 (sobre a centralização)


(Da Carta aos Eleitores do Círculo Eleitoral de Sintra In Jornal do Commercio, Industria e Agricultura, n.º 1399, Lisboa, 23 de Maio de 1858.)


...Na verdade, a doutrina de que o excesso de acção administrativa, hoje acumulada, deve derivar em grande parte do centro para a circunferência repugna aos partidos, e irrita-os. Sei isso, e sei porquê. Os partidos, sejam quais forem as suas opiniões ou os seus interesses, ganham sempre com a centralização. Se não lhes dá maior número de probabilidades de vencimento nas lutas do poder, concentra-as num ponto, simplifica-as, e, obtido o poder, a centralização é o grande meio de o conservarem. Nunca esperem dos partidos essas tendências. Seria o suicídio. Daí vem a sua incompetência, e nenhuma autoridade do seu voto nesta matéria. É preciso que o país da realidade, o país dos casais, das aldeias, das vilas, das cidades, das províncias acabe com o país nominal, inventado nas secretarias, nos quartéis, nos clubes, nos jornais, e constituído pelas diversas camadas do funcionalismo que é, e do funcionalismo que quer e que há-de ser.




quarta-feira, 11 de abril de 2012

Pode um chefe de Estado saído de uma eleição personificar a nação organizada?

“Um chefe eleito não realiza a unidade nacional, porque foi escolhido por um partido contra outro candidato, é o vencedor de uma guerra civil, muitas vezes sangrenta; não é forte, porque o seu poder teve origem numa competição em que pode ter triunfado por um voto e, sobretudo, porque recebeu directamente a investidura daqueles sobre quem deve imperar; não é independente, porque o chefe de hoje pertencia a um partido e não deixou secretamente de pertencer-lhe, por convicção, por gratidão e por futuro interesse político; não é contínuo, porque exerce o poder a prazo definido, geralmente curto, e porque o eleito, por orgulho que visa à imortalidade, não prossegue, normalmente, nas iniciativas do seu antecessor; não pode efectivar a intenção nacional quem representa uma parte do todo, e quem não é forte, livre e persistente, indigno e incapaz há-de ser de persognificar a Nação, organizada em Estado.”

Hipólito Raposo in Aula Régia - A Reconquista das Liberdades 1936 (ortografia da época)

domingo, 25 de março de 2012

O Concelho português


   “…Vejamos o que era o CONCELHO PORTUGUÊS.
Quando o Rei dava um Foral, erguia-se na praça do burgo incipiente o símbolo da sua justiça e da sua autonomia – o Pelourinho – e elegiam-se Magistrados para a justiça e Vereadores para a governação local, para a organização, em função dos interesses locais e de vizinhança.
A própria criação dos Juízes de Fora não cerceou estas liberdades locais e apenas lhes deu maior regularidade na expressão.
E o Rei, chefe da Nação, comprometia-se a respeitar essa autonomia.
O Foral era, assim, uma espécie de carta de maioridade político-administrativa, que dava aos vizinhos de um povoado o direito de se reger a si mesmos e de organizar por si próprios o bem-estar obtenível no seu termo e com os seus recursos.
Porém, a intervenção real não era constitutiva, mas declarativa, apenas reconhecendo um estado de facto social, a não ser quando criava uma povoação ex-novo, ou num deserto populacional, ou numa fronteira desguarnecida.
Afoitamente apontamos, como infracção do Direito Natural, o cerceamento das liberdades concelhias, por via legislativa, sobretudo a limitação das atribuições dos Concelhos, só àquelas estatuídas na lei, em lugar de o Concelho ter todas as atribuições que a lei não exclua.
O Município não existe, pois, por delegação da parte do poder real, mas de direito próprio.

A. Crespo de Carvalho in “Para uma Sociologia da Monarquia Portuguesa”, Edição do Autor na Biblioteca do Pensamento Político, 1973

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Eu não sou Monárquico!


Na babilónia de ideias e de conceitos do actual debate “República versus Monarquia”, eu quero afirmar aqui, sem qualquer subterfúgio, que não sou Monárquico!

A Monarquia terminou em 1820 e não a quero de volta. E não quero também de volta a Monarquia que lhe sucedeu, a chamada “Monarquia Constitucional”, derrubada em 1910. Vivo bem, e creio que os meus concidadãos também vivem bem, sem a verídica Monarquia do século XVIII ou sem a Monarquia com alcunha do século XIX.

 Sou pela República! Sou republicano! Sou aliás visceral e radicalmente republicano!

A República ( Res publica ou Coisa pública) tem, entre nós, uma longa e nobre tradição, bem viva antes do século XVIII. É com essa Tradição que me identifico.

Eis o que nos diz Duarte Nunes de Leão na “Crónica del-Rei D. Fernando”: “em cortes que para isso ajuntou fez algumas leis muito úteis à república, e naqueles tempos muito necessárias.”

Na orientação que traçou para o seu reinado, escreveu o rei D. Sebastião numa das suas “Máximas”: “Gavar os homens, e cavaleiros que tiverem bons procedimentos, diante de gente, e os que tiverem préstimo para a República e mostrar aborrecimento às coisas a ela prejudiciais”.

Depois da Restauração de 1640, exarou o Doutor Vaz de Gouveia na “Justa Aclamação”: “o poder dos reis está originariamente nos povos e nas repúblicas, que delas o recebem por forma imediata.”

Não julgo ser necessário alongar aqui as citações comprovativas da República portuguesa ao longo dos séculos, mas cumpre lembrar que foi quando as Cortes deixaram de reunir, no século XVIII, que começou a haver cada vez mais Monarquia em Portugal.

 Depois, a temática política do século XIX tratou de inventar o antagonismo, colocando, de um lado, os chamados “monárquicos” e, do outro, os chamados “republicanos”. Os primeiros diziam defender o Rei, os segundos defender a Res publica. Estava instalado um pernicioso divórcio. Em abono da verdade, os republicanos tinham motivo para classificar os seus adversários como monárquicos. Não eram outra coisa. Pouco lhes importava o bem da Res publica, da Coisa pública. Quando o republicanismo se tornou consciente e organizado, os seus adversários, se bem que adoptando a alcunha de constitucional, aceitaram de bom grado a qualificação de monárquicos. Diziam defender o Rei e era, com efeito, à sombra do poder do monarca, à sombra do suposto “poder de um só”, que eles usufruíam das benesses do poder do Estado. E foi só quando o Rei D. Carlos se opôs à rapina que a coisa deu para o torto. Por isso o mataram e, depois de derrubada a Instituição Real, só às atenções mais distraídas causou escândalo a adesivagem em massa que os ditos monárquicos fizeram à novel “República”. Tratava-se de mudar a tabuleta à mesma droga. E a verdade é que conseguiram mesmo abrigar-se nela. Estamos nisto vai para mais de um século.

Hoje, o que me separa de um “soi-disant” republicano, de um autêntico republicano, que queira o bem da República, é fundamentalmente isto: ele quer para a República um presidente eleito; eu quero que a República remate pela chefatura dinástica de um Rei. Ele defende a Presidência da República; eu defendo a Instituição Real na chefia do Estado.

Eu não sou Monárquico; sou Realista!

José Manuel Quintas
03/02/12

sábado, 11 de fevereiro de 2012

A Monarquia do Norte - Paiva Couceiro e os integralistas

...Com a reacção dos partidos a ganhar expressão militar em Santarém, para os integralistas soara a hora de agir. Enquanto no sul predominavam os republicanos sidonistas, no norte do país era nítido o predomínio dos monárquicos. As Juntas Militares, que haviam sido criadas com o propósito de impedir o retorno do parlamentarismo, teriam agora de aderir ao propósito restauracionista. O Governo ainda terá chegado a discutir a possibilidade de substituir alguns comandos na capital, mas logo que é dada como falhada a tentativa de constituição de um governo militar em Lisboa, é o próprio Hipólito Raposo quem redige, em 14 de Janeiro, com Rui da Câmara e José Rino Fróis, na Pastelaria Marques, um memorando em que o Lugar-Tenente de D. Manuel II, Aires de Ornelas, vem a escrever a expressão inglesa «go on!» que o rei lhe dera um dia para, em certas condições, se poder levantar em Portugal a bandeira da Monarquia.
Os integralistas já só necessitavam de um documento rubricado pelo Lugar-Tenente do rei para vencer as hesitações que ainda houvesse entre os comandantes militares do Sul, do cerco de Santarém e do Norte.
...Aires de Ornelas escreveu à margem do documento: “Go on!  Palavras d’El-Rei / Não vejo razão para plebiscito / Não julgo difícil o reconhecimento / Aires de Ornelas / 14 Jan. 919”.
De imediato, e enquanto em Lisboa, sidonistas de ontem, democráticos, unionistas,  e socialistas, se iam unindo ao governo de Tamagnini Barbosa, Paiva Couceiro seguia para o Porto onde o aguardava terreno mais propício.
A Junta Central do Integralismo Lusitano reuniu no dia 17 à noite. A decisão tomada é a de  António Sardinha e Luís de Almeida Braga partirem para o Porto, investidos com a missão de “procurar suster o pronunciamento, até se ultimarem as ligações que viriam dar-lhe maior caracter de unanimidade em Lisboa e na Província”.
António Sardinha chegou ao Porto na manhã do dia 18, na véspera do pronunciamento, hospedando-se no Hotel Borges; “ - Isto é um conto das Mil e Uma Noites!”, terá logo exclamado perante o espectáculo da mais absoluta facilidade revolucionária que acabava de encontrar.  Pela tarde avistou-se com Paiva Couceiro, expondo-lhe os motivos da sua viagem, a conveniência de aguardar mais uns dias para que o pronunciamento das tropas, em Lisboa e no Porto, pudesse ser simultâneo”.  Couceiro alegou que não havia outra oportunidade, “não só porque, em Lisboa, os comandantes militares, com as suas hesitações, continuariam no mesmo pé em que se haviam mantido em seguida à morte de Sidónio, como, já conhecedor o Governo do que se passava no Porto, não tardariam a ser substituídas por ele todas as autoridades militares e civis”.  No dia seguinte - dia da proclamação da Monarquia - chegavam ao Porto, em comboio especial, acompanhados pelo ministro da Guerra da República, Silva Basto, os recém-nomeados governador civil e o comissário de polícia, respectivamente, António Pais e Cristóvão Aires.  Foram devolvidos a Lisboa sem tomar posse. Estava já hasteada no Monte Pedral a bandeira azul e branca. A restauração declarava em vigor a Carta Constitucional e indicava como chefes: Luís de Magalhães, Sollari Allegro, Conde de Azevedo, Visconde do Banho, Coronel Silva Ramos.  A Junta Governativa do Reino ficava sob o comando de Paiva Couceiro.
Logo que foi conhecida a proclamação, o Integralismo Lusitano manifestou aceitar a nova ordem, agarrando “a parte prática e positiva da obra restauradora” - Primum vivere, deinde philosophare, era o princípio que adoptavam.
...O Norte estava dominado, mas havia que restabelecer o contacto com as forças restauracionistas no Sul e proceder à restauração onde tal fosse exequível.
Em Lisboa, na manhã do dia seguinte à proclamação do Porto, Hipólito Raposo suspendeu o jornal A Monarquia, seguindo de imediato para Belém, onde se estavam a concentrar os monárquicos (Regimento de Cavalaria 2). Havia que subir a Monsanto para ocupar o posto de T.S.F. e estabelecer contacto com o Norte.
Entretanto, a Junta Governativa do Reino nomeara António Sardinha governador civil de Portalegre, com o intuito e a esperança de aí se poder vir a proclamar a Monarquia. Sardinha ficará junto de Paiva Couceiro, preso à missão prioritária de constituir o Gabinete da Presidência.  Agregou a si Luís de Almeida Braga, João do Amaral e Nosolini Leão.  Ter-se-ão sucedido dias tranquilos, mas sem notícias do Sul.  Até que aí surgiu António Teles de Vasconcelos, para montar os serviço de comunicações ao longo da fronteira  É então que Sardinha é destacado para Badajoz, Luis Teles de Vasconcelos (irmão de António) para Cáceres, Joaquim de Almeida Braga para Tui, de onde penetrariam em Portugal com propósitos restauracionistas.
Em Lisboa, entretanto, pouco passava das seis horas do dia 22 de Janeiro, quarta-feira, quando, do quartel de Lançeiros, começaram a sair os cerca de 70 homens comandados pelo capitão Júlio da Costa Pinto. O desfile dirigiu-se, a passo, pelo Alto da Ajuda até Monsanto. Quando aí chegaram, fizeram acampamento na Cruz da Oliveira, onde improvisaram um quartel-general, enquanto o capitão Delfim Maia ocupava o posto de T.S.F. Distribuídas várias vedetas pelos locais de acesso, ali se revezaram durante toda a noite nos turnos de sentinela.
Na manhã seguinte, dia 23, aos primeiros raios de sol, o grosso da coluna dispôs-se em linha de atiradores junto ao moinho do Alto da Peça. Dadas as salvas do estilo, hasteou-se a bandeira azul e branca com “o símbolo real tremulando na altivez secular das suas quinas”. A ligação entre o Porto e Lisboa ainda terá demorado, com o alferes António Pinto Castelo Branco, a repetir várias vezes a partir de Lisboa: «Aires de Ornelas e tropas monárquicas em Monsanto, pedem noticias».
Estabelecido o contacto, mas “receando a hipótese de um ardil de guerra, perguntavam do Porto:
Quem foi buscar Aires de Ornelas a Carcavelos?
De Monsanto respondia-se seguramente: «- António Sardinha».
Logo a seguir, recebia-se a transmissão das boas noticias do Norte, em nome de Paiva Couceiro”.
O desastre de Monsanto ocorreu logo no dia seguinte,  24 de Janeiro. Enquanto uns 30 monárquicos saíram da Cruz das Oliveiras em direcção à Ajuda, para ir tentar sublevar o quartel de Infantaria 16, os que ficaram no Monsanto não conseguirão suster as arremetidas das forças republicanas, entretanto acrescentadas pelos numerosos voluntários que responderam ao apelo do Governo. Os monárquicos, em clara desvantagem numérica, ainda lutaram até ao fim da tarde. O capitão Júlio da Costa Pinto, com alguns feridos graves sob o seu comando - entre os quais Pequito Rebelo e Alberto Monsaraz - , acabou preferindo a capitulação à fuga.
António Sardinha, que nesse mesmo dia deixara o Porto, seguindo por Espanha na direcção de Portalegre, só soube da tragédia ao passar em Vigo, onde se demorou com Luís Teles de Vasconcelos, antes de seguirem viagem por Astorga até Salamanca. Não chegará a entrar em Portugal, sendo expulso de Badajoz a pedido do Cônsul de Portugal, por expressa disposição do Governo espanhol, em 13 de Fevereiro de 1919. 0 desmoronar completo do “efémero castelo de cartas” desses vinte e cinco dias da denominada Monarquia do Norte, foi notícia que acolheu António Sardinha já em Madrid.
 José Manuel Quintas 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O fim das repúblicas

A Assembleia da República acaba de tornar público o projecto de lei aprovado pelo governo para a redução do número de Freguesias. Em matéria de conteúdos não há grandes surpresas, um conjunto de princípios de respeito pelas populações, pela cultura, pela história e pela realidade local, acabam a tropeçar numa última alínea onde se exibe a ditadura das estatísticas demográficas, condicionando as Freguesias urbanas a terem no mínimo 15000 habitantes e as restantes 3000.
Mas é sobretudo no desrespeito pela vontade das populações e dos seus órgãos autárquicos, que este projecto de lei mais me choca. Caso a “pronúncia da Assembleia Municipal” esteja desconforme com os princípios e parâmetros definidos pela lei, os técnicos da AR fazem o trabalho, e enviam para a Assembleia Municipal para mostrar como deviam ter feito. Quanto aos pareceres das Assembleias de Freguesia, o projecto de lei estabelece que a Assembleia Municipal apenas os deve considerar se respeitarem os mesmos princípios e critérios legais. Pelo meio, aparece a criação nas freguesias agregadas, de um órgão consultivo denominado de “Conselho das Freguesias”. Como são escolhidos estes representantes das comunidades? Pelos eleitos da Assembleia de Freguesia. Temos portanto... um conselho de representantes dos representantes! Não há melhor forma de afastar as populações do poder e dos políticos.
O Portugal das repúblicas parece cada vez mais condenado a ser o Portugal das clientelas e dos servidores das elites partidárias.

Consultar o projecto de lei.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Na feira dos mitos

Há, entre os portugueses, um mito muito divulgado pelos nossos estrangeirados e que soa mais ou menos assim: somos um povo de retardatários, inclusive em termos democráticos, e nada temos que se compare com a antiguidade da democracia inglesa, segundo uns, ou da democracia francesa, segundo outros.

Não terá chegado a hora de começarmos a divulgar mais a antiguidade das nossas tradições democráticas, lembrando que a representação das cidades e vilas na participação da confecção das leis veio, documentadamente, das Cortes de Leiria, no reinado de D. Afonso III, em 1254?...

Enquanto os Comuns, em Inglaterra, datam de Henrique III, em 1255; em França foram convocadas pela primeira vez no reinado de Filipe Augusto, no ano de 1303 e na Alemanha as cidades só enviaram os primeiros procuradores à Dieta em 1309, reinava em Portugal D. Dinis.

José Manuel Quintas

Um imenso peso-morto


As «direitas» são um imenso peso-morto que subsiste apenas pelo poder de inércia. Atadas a formulas vazias de expressão e de dinamismo, nem de longe alcançam a profunda transformação que se opera no mundo. Ao contrario, nas «esquerdas» há um anseio (…) que, desde que se encha de força orgânica e de directriz vital, por si só constitui a garantia da nova idade que se descobre para além dos escombros burgueses da Revolução" 

António Sardinha

domingo, 29 de janeiro de 2012

Alheamento e participação

       “…Para além destas aparências, o grave problema de Portugal continua a ser o do alheamento político efectivo de grande número de portugueses.
Assim, para a maioria dos franceses na Quarta República, o poder era o parlamento e os políticos, o poder, com os seus méritos e responsabilidades, eram «eles». Assim, para o francês de hoje, o poder é De Gaulle. É «ele».
E quando, para os cidadãos, o poder são «eles ou «ele», falta à verdadeira política o seu fundamento verdadeiro - a participação dos governados, efectiva e reconhecida como tal. Trate-se de democracia presidencialista ou parlamentar, de regime fascista ou socialista, o poder político tem de ser percebido como algo próprio, algo «nosso». Quando já se não diz naturalmente o «nosso Governo», mas o «Governo», cessou a participação e começou o alheamento.
Tocamos aqui numa das principais categorias políticas, à qual tornaremos um dia mais de espaço. Fique só bem clara a noção de que a um poder, mesmo em si legítimo, falta uma nota essencial se não tiver a participação, e só o alheamento dos governados.
...Para além dos possíveis obstáculos, importa participar na política portuguesa, na política de Portugal - por coerência com  nossa dignidade própria, por piedade para com os nossos irmãos, por fidelidade à Pátria de todos os portugueses.
Mas participar não será dividir? Participar, tomar parte, não será recusar o todo? A participação, acto por natureza individual, não dividirá o social e o político?
O alheamento, de facto, não divide - mas estiola. Atitude de homem-massa, o alheamento não distingue na razão, mas apaga no olvido.
A Política, regra do convívio humano de homens concretos, pode e deve suportar as claras antinomias da razão. A individualidade dos homens, longe de pôr a Política em perigo, é a razão última da sua existência. E os riscos da participação são afinal os mesmos riscos de todo o convívio autênticamente humano, os riscos de toda a política.
Fora dela só a anarquia e a tirania, Política verdadeira é, por natureza, a que vive porque integra as várias participações individuais, vivas e distintas.
Se tudo isto é verdade política, é verdade evidente para monárquicos.

Rivera Martins de Carvalho in Diário Político e outras páginas (pág. 160) - 1961

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012


Um livro a não perder, para quem quer conhecer a história das origens do Integralismo Lusitano e dos integralistas.

Ainda há exemplares disponíveis, por exemplo,

aqui  (de certeza) ou aqui...



terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Da Carta aos Eleitores do Círculo Eleitoral de Sintra Alexandre Herculano (1858)


..."Indubitavelmente este país transborda de homens grandes, de profundos estadistas. Aqui o estadista nasce, como nasce o poeta; precede a escolha: dispensa-a, até. Sou o primeiro a confessá-lo. E a paixão dos homens grandes, dos profundos estadistas, é a salvação da pátria: é a sua vocação, o seu destino, a sua suprema felicidade. Esses varões ilustres pertencem, porém, ao país: é do país que devem ser deputados. Entendem-no eles assim, e parece-me que entendem bem. Em tal caso, eleja-os o país. Quando algum vos mendigar de porta em porta, e com o chapéu na mão, os vossos votos, respondei-lhe, como os eleitores dos diversos círculos do reino lhe responderiam, se o são juízo fosse uma coisa desmesuradamente vulgar:

«Somos uma pobre gente, que apenas conhecemos as nossas necessidades, e queremos por mandatário quem também as conheça e que nelas tenha parte; quem seja verdadeiro intérprete dos nossos desejos, das nossas esperanças, dos nossos agravos. Se os deputados dos outros círculos procederem de uma escolha análoga, entendemos que as opiniões triunfantes no parlamento representarão a satisfação dos desejos, o complemento das esperanças, a reparação dos agravos da verdadeira maioria nacional sem que isto obste a que se atenda aos interesses da minoria, que aí se acharão representados e defendidos como se representa e defende uma causa própria. Na vulgaridade da nossa inteligência, custa-nos a abandonar as superstições de nossos pais: cremos ainda na aritmética, e que o país não é senão a soma das localidades. Homem do absoluto, das vastas concepções, se a vossa abnegação chega ao ponto de solicitar a deputação do campanário, fazei que vos elejam aqueles que vos conhecem de perto, que podem apreciar as vossas virtudes, o vosso carácter. Certamente vós habitais nalguma parte. Se não quereis abater-vos tanto, arredai-vos da sombra do nosso presbitério, que ofusca o brilho do vosso grande nome. Sede, como é razão que sejais, deputado do país. Não temos para vos dar senão um mandato de campanário.»

A resposta dos eleitores aos estadistas parece-me que deveria ser esta."



quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

António Sardinha - 09/09/1887 - 10/01/1925


"...A restauração da Monarquia, — ponderava já De La Barre de Nanteuil — , não é simplesmente a restituição do poder ao rei, mas a restauração de todas as leis fundamentais do povo. Pois, exactamente, nas «leis fundamentais» do povo, é que a nossa Monarquia tradicional assentava a sua razão histórica de existir. Não pensemos, de modo nenhum, em que seriam preceitos escritos, formando o que em boa mitologia política se convencionou chamar uma «constituição». Saídas de vários condicionalismos, tanto sociais como físicos, duma nacionalidade, formariam, quando muito, pelo consenso seguido das gerações, a observância dos princípios vitais da colectividade, — Família, Comuna e Corporação, ou seja Sangue, Terra e Trabalho, cujo conjunto admirável Le Play designaria de «constituição-essencial».
De «Monarquia limitada pelas ordens», classificaram os tratadistas portugueses a nossa antiga Realeza. Correspondendo às forças naturais da sociedade, organizadas e hierarquizadas em vista ao entendimento e bases do comum, as «ordens» do Estado eram, a dentro dos seus foros e privilégios, as depositárias natas dessas «leis fundamentais». Cada associação, cada classe, cada município, cada confraria rural, cada behetria, possuía na Idade Média o seu estatuto próprio, a sua carta de foral. Legislação positiva destinada a normalizar e a coordenar as exigências da vida quotidiana, tomava o «costume» por base e consagrava a experiência como sua regra inspiradora."

António Sardinha, A Teoria das Cortes Gerais — Prefácio a «Memórias para a História e Teoria das Cortes Gerais» do 2.º Visconde de Santarém, Biblioteca do Pensamento Político, Lisboa, 1975 (2.ª edição).

in http://www.angelfire.com/pq/unica/il_antonio_sardinha.htm