quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

AS REPÚBLICAS E A MONARQUIA

Por Henrique Barrilaro Ruas (23 de Março de 1921 - 14 de Julho de 2003)

Tal como os homens, também as nações precisam de viver habitualmente. Mas nem todo o hábito é virtude. Há-os que são vícios. E, quando o vício é colectivo, não há ninguém que não sofra com ele. Porque é da natureza do indivíduo participar do bem comum, e também do mal comum, da sociedade a que pertence.

A República, em Portugal, começou por ser o contrário de um hábito. Actos isolados, casos soltos: nada mais. Eram quase todos da matéria de que se fazem os vícios. Mas, para serem vícios, faltava-lhes serem habituais. Nenhum vício é episódico.

Mais tarde, por acção alheia, a República deixou de ser em episódios. Fez-se hábito. Por isso foi aplaudida. Aplaudiram-na os viciosos e os virtuosos. Os primeiros porque viam enfim estabelecido, assente, de algum modo indiscutível, o que antes não passara de tentativa fruste. Os últimos, porque estavam ainda dominados pela ideia (deixada por muitos séculos de Poder Real) de que habitual, em Política, é necessariamente virtuoso.

Foi assim que começou o culto da continuidade. Esse culto tem tomado as formas mais aberrantes e mesquinhas. Nalguns casos, é apenas o culto do contínuo (uma das fontes mais caudalosas da Burocracia nacional).

Mas eis que o tempo entrou a fartar-se da continuidade no mal. E já vai ensinando a indivíduos e grupos que não basta durar: é preciso durar bem.

Por causa da República-sistema, é a autentica república dos Portugueses que perde o norte do Bem Comum. As competências, deslocadas da sua função natural, tornam-se incompetências. Os homens gastam-se em tarefas sem sentido. As instituições definham. O humano desejo de participar faz-se maldição. O que podia ser belo e fecundo rito de universalização do individual desce ao nível da farsa ou da paródia. As gerações que deviam dar à Pátria viço novo e uma inquietude transfiguradora, quase não trazem mais do que a dúvida e a negação. E muitos dos raros que deixam crescer na alma a sede de heroísmo, vão queimar-se em aventuras sem beleza. São estes os frutos da ideologia republicana.

Porque, na crise aberta do mundo de hoje, na fermentação e gestação do mundo de amanhã, não está presente a integral e viva portugalidade, mas a rigidez de um esquema, uma convenção, uma fórmula jurídica.

Toda a Nação Portuguesa fermenta e lateja, na promessa e na exigência de uma vida nova. A todo esse murmurar profundo e crescente, a República só oferece, ou a rigidez imutável, ou a própria mobilidade como ideal.

É sobretudo para as novas gerações que a Monarquia há-de surgir identificada com a Esperança. Esperança de dignidade e justiça; esperança de paz. Esperança de uma vida que seja autêntico e fecundo conviver. Esperança de uma alegria nova, em que o corpo e a alma comunguem. Esperança de vitória do natural sobre o absurdo, do normal sobre o obrigatório. Esperança no abraço do Homem com a Terra, no acordo dos homens uns com os outros, na realização da Pessoa para além de todos os planos do colectivo.

(1963) 
in

domingo, 18 de dezembro de 2011

FORMATAÇÃO DE UM PAÍS - Teresa Maria Martins de Carvalho

Não sei se os portugueses mais urbanizados, confinados às suas grande metrópoles, distraídos pelos casos bombásticos (ou tornados bombásticos) que lhes apresentam as televisões, poderão dar atenção suficiente ao que de muito importante está acontecendo em Portugal.

Em primeiro lugar, sei muito bem que a palavra formatação é usada na linguagem informática para designar operações específicas mas a outra palavra que dispunha, “formação”, não quer dizer exactamente aquilo que eu quero referir. Formatação satisfaz-me muito mais.

Formatação, então, não a pele da existência real mas a orgânica interior. Formação é termo conectado com o verbo formar que indica, para além das cores ambientais, militares ou educativas, a inserção no tempo e no espaço de algo que se torna real, sólido, coisa, relacionamento. Se eu escrevesse “a formação de um país” vinham logo à memória D. Afonso Henriques que começou tudo, D. Afonso III que o acabou, D. Dinis que “semeou o pinhal de Leiria”, o Infante que ensinou o caminho para fora. Todos os que conduziram Portugal a ser país.

E volto a insistir, não formação mas formatação. Não a realidade da terra com vales e caminhos mas as relações dos seus habitantes. Não como começou a estar Portugal mas como se organizou interiormente, como as forças humanas nele existentes se unificaram em comunidades. Por mais importante que seja a influencia do sítio no criar da identidade nacional, é crucial a inter-reacção das pessoas que lhe determinaram o destino.

Vale a pena inquirir o que dizem os historiadores. Estou a lembrar-me de Gama Barros mas é melhor escolher o contemporâneo José Mattoso, especialista da formação e “identificação de um país”. É sua opinião que Portugal se formou a partir das fortíssimas comunidades municipais, numa entente entre o Rei, o povo e os barões. Acontece que este fenómeno foi típico das terras do Norte, onde a situação geográfica e histórica lhes forneceu mais centros de habitação, terras mais férteis, menos áridas, tradições seculares, mais cristianização. O mesmo não se dá nas terras do Sul, mais pobres, mais abertas, mais terras de fronteira, ermadas e pouco férteis, e onde os mouros se demoraram mais tempo.
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A formatação do país que os historiadores baseiam, com orgulho patriótico, no poder local das vilas face ao poder real, afinal nem sempre foi assim. O Gavião é o exemplo de uma vila que nasce muito mais por decisão central do que pelo levantar de cabeça dos seus munícipes. Se, em Portugal, não houve feudalismo propriamente dito, pela pequena dimensão do território, pelo carácter português ter sido forjado entre o fervilhar autárquico e o poder do rei, outros poderes como as Ordens religiosas, nos aparecem como agregadores de populações.

Nos dias de hoje, o primeiro projecto governamental de regionalização, para “formatar” o país em regiões mais fortes, não passou no referendo. As autarquias queriam ter voz na matéria e outros portugueses tinham medo de um desfazer do país com dimensão suficiente para a cobiça espanhola e a inércia portuguesa. Mas o governo não ficou reduzido à inacção nem se encolheu a vontade de transformar, acomodar, domesticar este país de poetas. Com astúcia, aproveitando-se de os municípios se estarem entendendo entre vizinhos, motu próprio, altamente denominou Áreas Metropolitanas tudo o que se estabelecia de comum nos concelhos à volta de Lisboa e Porto, concelhos já desruralizados e fortemente (e horrivelmente) urbanizados, cuja vocação para “serem” também das grandes cidades mais próximas lhes facultava e favorecia melhores vias de comunicação e melhores serviços comuns.

Aos que não podiam acolher-se sob esta denominação foi-lhes dado o nome de Comunidades Urbanas ou então, se mostravam ainda sinais de algum ruralismo remanescente, Comunidades Inter-Municipais. De toda a maneira, embora pareça ter vindo de baixo, como toda a gente pedia, a partir dos municípios, a regionalização vai-se fazendo, sob a tutela do Estado, claro!

Mas vejam só o que se passa, nesta grande mexida administrativa, ante os nossos olhos espantados! Fora as Áreas Metropolitanas já definidas, quase naturalmente, assistimos às discussões dos municípios entre si e sobre si, com tanta força e empenho como ninguém estava à espera, sobretudo o governo! Eles é que sabem como se há-de processar a reorganização dos concelhos, afim de se criarem regiões tecnicamente viáveis para o desenvolvimento e a angariação de fundos comunitários ou outros.

O triângulo Torres Novas, Tomas, Abrantes que antes tinha teimado na construção de três hospitais separados, o que veio triplicar as exigências de pessoal sanitário que rareia, aprendeu a lição e agora integrado, juntamente com, a sul, o Entroncamento e Constância e, a norte, com o Sardoal e Mação, na Comunidade Urbana do Médio Tejo, não faz exigências bairristas. Discutem onde ficará a Presidência... Tomar acha-se com esse direito e o Entroncamento sente-se diminuído na sua vocação ferroviária, afogada em tanto pinhal. Continuam discutindo.

Vemos, com pasmo, levantar-se Alcobaça contra a sua inserção na Área Metropolitana de Leiria. A sua vocação é a zona do Oeste de que não se quer separar... E no meio fica a Nazaré, desorientada, sem saber decidir-se se fica sozinha. É PS. Os outros concelhos PSD. Sente-se incomodada. Que mal fizeram às autonomias esta obrigação de pertencerem a partidos... Seria mais fácil este jogo se não fosse partidário... Mais difícil entenderem-se... Mas isto é outra história.

No entretanto, como é curioso observar o que se passa. Um país habituado a estar calado durante quarenta anos de Salazarquia quando os presidentes de Câmara eram nomeados pelo Governo, e depois da euforia revolucionária, ficar calado sob o peso das forças partidárias, despertar de repente a exigir posições. Vejam só as discussões na Associação dos Municípios do Algarve. Há quem queira que todo o Algarve seja uma Ártea Metropolitana (o que ele já é, menos a Serra...) mas, como isso, nas eleições regionais daria mais peso a um partido do que a outro, as discussões não acabam. – “Isto não tem nada a ver com partidos!” Alguém grita. “Tem que ver com o poder local”. Ora oiçam! Conseguirão? Existe já a Comunidade dos Municípios do Vale do Ave. Vai nascer a do Tâmega...

A rica região do Douro, com os seus pergaminhos de Património Mundial, não quer mais “fazer casamento” com Trás-os-Montes. Quando o Primeiro-Ministro, de visita à região, alvitrou publicamente que seria mais conveniente e sensato que estas duas regiões se unissem, visto que têm interesses comuns, foi um alvoroço, com o Presidente da Câmara de Vila Real a exclamar, zangadíssimo: - “Ele que não se meta, a vir para aqui a dar sugestões! Não tem nada a ver com isto!” e acrescentou: “capital em Bragança? Nunca!” Ora toma!

É divertido e até comovente assistir a estas discussões, assim, à primeira vista, disparatadas e inúteis. Os espíritos tecnocráticos estarão perturbados, assistindo à cena, morosa e inútil, do país disputando-se aos bocadinhos. Mas é isso, a política!

A grande filósofa Hannah Arendt que tanto se debruçou sobre o fenómenos político e que eu gosto tanto de citar, não deixa de insistir no “animal político” tal como Aristóteles definiu o ser racional humano, defendendo que se sobrepõe, em importância, ao homo faber. O falar, o discutir, o entendimento (ou provavelmente o desentendimento...) dos homens entre si, sobre assuntos que a todos interessam no desenrolar das suas vidas quotidianas, que querem viver em comum, é, segundo Arendt, a mais dignificante das acções humanas. Mesmo que não se venha a ganhar ou ver a nossa opinião prevalecer, já foi “fazer política” a discussão, a dissenção, a troca de ideias, a participação na liberdade, não sendo imprescindível o consenso...

Daqui a necessidade da ágora, do forum, da praça pública, das portas da cidade, onde os nossos antepassados disputavam ideias e sentiam-se intervenientes nos negócios públicos, sem terem de recorrer a pindéricas e tristes manifestações diante do Palácio de S. Bento.

Em Portugal, esse espaço próprio e útil, nascia nas comunidades municipais, antigas e menos antigas, com a sua autarcia resolvida e que definia o lugar representativo dos seus habitantes quando se apresentavam, como tal, nas Cortes, diante de todas as outras forças do país.

Aquilo que se passa hoje, em Portugal, é um ressurgir efectivo (ou talvez uma sombra, velhas memórias...) de um tomar em mãos o que a essas mãos pertence.

Pode ser que tudo acabe em soluções económicas e técnicas, muito rígidas à moda de Bruxelas, calando-se a gente de novo. Até porque o tempo é escasso para tanta discussão, tanta demora na execução deste novo ajustar do espaço. Vêm aí as eleições!

É preciso dar atenção ao que está a acontecer. 

Teresa Maria Martins de Carvalho, Março de 2004

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Mensagem de S.A.R. O Duque de Bragança no 1º de Dezembro 2011

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"Torna-se urgente proceder, através de um amplo debate nacional, a uma rigorosa e descomplexada análise dos modelos económico e político que estiveram na origem do depauperamento do Estado.

Cada vez é mais notório que os portugueses não se revêem no modelo de representatividade política em vigor.
Será que o Povo se identifica com os seus formais representantes?

Será que a nossa Democracia deverá ficar confinada a um modelo que já demonstrou não ser suficiente e eficaz?

Porque não considerar outras formas de representação popular complementares, através de outro tipo de representantes mais directamente relacionadas com a população, por exemplo, oriundos dos Municípios, modelo este com raízes profundas nas tradições históricas e culturais de Portugal?"


Mensagem completa de S.A.R. aqui